E TE CHAMAVAM MARIA... – Texto 8


            Ainda estamos longe de esgotar as imagens do Antigo Testamento que nos falam dessa relação entre Deus e o seu povo que podem ser aplicadas à Virgem. Por várias ocasiões, o povo eleito aparece personificado simbolicamente em uma mulher: esposa, mãe, viúva, estéril, filha. Uma dessas imagens é a “Filha de Sião”, uma referência a Jerusalém (cujo significado seria ‘O Senhor está lá), a cidade santa, em seu contínuo chamado à santidade. Ao mesmo tempo é a ela (povo) que se dirige a alegre promessa de libertação definitiva (cf. Sf 3,14-17; Mq 4,9s; Jl 2,21-23). Ela será desposada pelo próprio Deus, revelando-lhe um amor exclusivo (Is 62,5). É a mãe na dor e na tribulação (Mq 4,10; Jr 4,31; 6,2).
Assim lê a LG 55 esses textos, como uma síntese do que já apresentamos e do que virá: “Os livros do Antigo e Novo Testamento, e a tradição veneranda mostram, de modo que se vai tornando cada vez mais claro, a função da Mãe do Salvador na economia da salvação, e colocam-na, por assim dizer, diante dos nossos olhos. Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação, que vai preparando, a passos lentos, a vinda de Cristo ao mundo. Estes primeiros documentos, tais como são lidos na Igreja e entendidos à luz da ulterior e plena revelação, iluminam pouco a pouco, sempre com mais clareza, a figura da mulher, a da Mãe do Redentor. Ela aprece, a esta luz, profeticamente esboçada na promessa da vitória sobre a serpente, feita aos nosso primeiros pais já caídos no pecado (cf. Gn 3,15). Do mesmo modo, ela é a Virgem que há de conceber e dar à luz um Filho, cujo nome será Emanuel (cf. Is 7,14; Mq 5,2-3; Mt 1,22-23). Ela sobressai entre os humildes e os pobres do Senhor, que confiadamente dele esperam e recebem a salvação. Enfim, com ela, filha excelsa de Sião, após a longa espera da promessa, cumprem-se os tempos e instaura-se a natureza humana, para mediante os mistérios da sua carne, libertar o homem do pecado”. E assim conclui Angel L. Strada: “É Maria que recebe o anúncio jubiloso de nossa libertação definitiva, é a mulher habitada por Deus e desposada para sempre no amor exclusivo, é a Mãe que nos gera na dor para transformar-nos no povo de Deus. Ela é a Filha de Sião” (Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria).
Sião é o monte elevado sobre o qual se apresenta a cidade de Jerusalém com o seu Templo santo, a mais elevada sede da presença divina. A mariologia clássica já celebrava Maria como sede da mais elevada presença de Deus no Filho Jesus e ao mesmo tempo o modelo criatural para os demais seres. Ela é não apenas a esposa de José, mas também de Deus e do Espírito Santo, conforme a tradição cristã. “Como esposa e mãe, Maria torna-se sinal da Igreja que na eucaristia e na Palavra gera Cristo e no batismo gera novos filhos de Deus. Como Sião estéril, cujos filhos por isso não são fruto de geração carnal, mas da graça, assim também Maria é mãe ‘virgem’, que gera ‘não pelo sangue ou pela vontade da carne’. Sião, foi dito, é também mãe viúva e sofredora, e todavia permanece fecunda. Também Maria aos pés da cruz chega ao despojamento total, ao sofrimento extremo e à ‘viuvez’ perdendo o Filho. Mas precisamente naquele instante recebe como filhos os irmãos de Cristo, os filhos adotivos de Deus, personificados no discípulo que Jesus amava, continuando assim nos séculos a sua missão materna. Enfim, Maria é por excelência ‘a filha de Sião’ em cujo ventre (be-quereb) Deus está presente de modo supremo. Em Maria a Palavra divina fez-se carne, humanidade e história de modo pleno e perfeito: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti... Aquele que vai nascer será santo e se chamar-se-á Filho de Deus’ (Lc 1,35). O nascimento é sinal de um início, é indício de um limite de tempo, de humanidade; a ‘santidade’ e a filiação divina reportam-nos ao infinito e a Deus. Maria, portanto, a Sião ideal”. (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).

Nosso texto de hoje é uma tessitura de vários autores que em suas palavras sintetizam essa imagem de Maria como Sião. Para concluir, um trecho do comentário de Gregório Magno, onde o monte do Templo de Jerusalém se torna símbolo de Maria: “Tal como o monte significa altura, assim o templo significa habitação. Por isso, é dita monte e templo Aquela que, iluminada por méritos incomparáveis, preparou ao Unigênito de Deus um regaço santo no qual apoiar-se. Por outro lado, Maria não se teria tornado um monte elevado, acima dos cimos dos montes, se a fecundidade divina não a tivesse elevado acima dos anjos. Além disso, não se tornado templo do Senhor, se a divindade do Verbo não tivesse descido ao seu seio para assumir a natureza humana. Maria é justamente chamada monte rico de frutos, porque dela nasceu um excelente fruto, isto é, um homem novo” (In I Regum 1,5).