E TE CHAMAVAM MARIA – 28



Após o episódio da Cruz, o nome ou a presença da Virgem será mencionado só mais uma vez de maneira explícita no Atos dos Apóstolos: “Todos, unânimes, eram assíduos à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus” (1,14). Só os escritos apócrifos mencionam um possível encontro entre a Mãe e o Filho após a ressurreição: “’Não te perturbes, Maria, observa bem o meu rosto e convence-te que sou Eu, o teu filho! Eu sou o Jesus que consola a tua tristeza, Eu sou o Jesus cuja morte choraste, Eu sou o Jesus por cujo amor derramaste lágrimas. Mas agora estou vivo e consolo-te com a minha ressurreição, antes de a todos os outros. Ninguém levou o meu cadáver, mas ressuscitei por vontade do Pai, ó minha Mãe!’ Ouvindo estas palavras, o coração da Virgem encheu-se de consolação, cessou de chorar e de estar perturbada e exclamou: ‘Ressuscitaste, meu Senhor e meu Filho!... Feliz ressurreição!’ E ajoelhou-se para beijá-l’O” (Evangelho de Gamaliel (século V-VI).
Compreendemos, por esta menção que Lucas nos faz da presença de Maria entre os Apóstolos, essa continuidade que a Virgem assume como seu papel materno. Por sua vez eles a tomam consigo, nessa experiência que ela mesma fez de conduzir-se pelo Espírito Santo. Terá razão a ladainha ao chama-la de “Rainha dos Apóstolos”, a discípula perfeita de Cristo os ajudará nesse caminho de resposta e fidelidade ao Filho. Recebendo com eles o Espírito Santo, assume também seu apostolado de levar ao mundo a contínua indicação de fazermos tudo aquilo que Ele nos disser (ou nos disse ao longo do seu ministério...).
Mas antes de qualquer ação missionária da Virgem junto aos Apóstolos, está a sua presença orante. A oração é um elemento de primeira ordem no Evangelho de Lucas, cujo início se dá no Templo, durante a oração de Zacarias e se conclui mencionando o mesmo espaço: “Quanto a eles [os apóstolos], após se terem prostrado diante dele voltaram para Jerusalém, cheios de alegria, e estavam no Templo, bendizendo a Deus” (24,52-53). Assim a oração é vista pelo evangelista como algo necessariamente contínuo para vida da Igreja. Ela traz consigo o aspecto comunitário na comunhão de sentimentos e intenções. Maria torna-se um modelo de orante para a Igreja que nasce também sob a sua inspiração.
O Cenáculo onde Maria se encontra em oração com os Apóstolos e outras mulheres, traz uma referência ao Cenáculo onde foi celebrada a última Ceia. Isso tudo aponta para a realidade da Eucaristia e da proximidade da Virgem desse mesmo mistério. Mesmo sem uma menção explícita da presença de Maria na instituição, a tradição cristã não deixou de lançar seu olhar para essa estreita ligação entre o culto mariano e a Eucaristia.
Como conclusão dessa cena, transcrevo esse trecho do livro “Maria, um exemplo de mulher” (Angel L. Strada): “Maria está no meio da Igreja nascente. Está na qualidade de mãe de Jesus, amando-o nestes homens concretos que ele havia escolhido. Conhece as fraquezas e os receios desta primeira comunidade eclesial e ama-a em sua realidade concreta. Foi precisamente a esses homens medrosos que o Reino foi confiado. A pequenez dos instrumentos não assusta Maria, porque em seu seio realizou-se para sempre o desposório do Deus forte com a limitação humana. O que aconteceu na Anunciação repete-se analogamente na primeira hora da Igreja, que sempre viverá esse mistério: a santidade e o amor de Deus que se transmitem através da fragilidade humana. A presença de Maria no Cenáculo constitui solidariedade ativa com a comunidade de seu Filho. Ela é a que com maior desejo e força implora a vinda do Espírito. Na realidade, já tinha uma longa história pessoal com ele, porque sua vida está balizada por intervenções do Espírito Santo. Foi ele quem a ‘cobriu com sua sombra’ e operou nela a encarnação do Filho de Deus. Ele santificou João Batista no seio de sua mãe e plenificou com sua presença Isabel mediante a visita e saudação de Maria. O Espírito revelou ao velho Simeão a identidade de Jesus e sua missão salvadora, da mesma forma que o desígnio divino sobre Maria. Toda a sua vida se desenvolve na força do Espírito. Segundo São Paulo, os frutos da ação do Espírito são: amor, alegria, paz, bondade, fidelidade... Não é esta a descrição exata da vida de Maria, em quem o Espírito atuou sem nenhum impedimento e sobre quem se derramou generosamente seus dons? Para os apóstolos, trata-se ainda de um ‘Deus desconhecido’, para Maria já é uma realidade plenamente operante em sua vida” (pp. 65-66).