E TE CHAMAVAM MARIA – 36



Se o início da existência de Maria foi objeto de reflexão, também a sua saída desse mundo levantou outras tantas questões. O dogma da Assunção revive a questão da importância de Maria no plano da salvação, a sua posição nesse contexto, e como toda a sua existência está envolvida.
Não temos nenhuma informação bíblica a respeito da sua vida após a ressurreição de Jesus e o evento de Pentecostes. Mas tendo presente o que dissemos anteriormente, a Igreja afirma como verdade de fé a sua assunção aos céus em corpo e alma. Isso para dizer dessa condição nova que ela já experimenta e que desejamos um dia fazer parte. Aqui, mais uma vez, a devoção popular teve influência no sentido de encaminhar a afirmação dogmática feita por Pio XII no ano de 1950, em comunhão com toda a reflexão da teologia patrística do século II até os tempos atuais. Na vitória de Cristo, Maria participa de modo particular unindo-se como nova Eva ao novo Adão, seu Filho. “Na vitória de Cristo há participação na luta – que não poderia ser considerada completa sem sua glorificação corporal. Porque ‘quando esse corpo corruptível estiver revestido de incorruptibilidade e esse corpo mortal estiver revestido de imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: a morte foi tragada pela vitória’ (1Cor 15,54; cf. Gaudium et Spes 18)” (Angel L. Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria).
A festa do ‘adormecimento’ de Maria já era celebrada no século VI, chegando a Roma no século VII onde passa a chamar-se ‘Assunção de Maria’, para depois estender-se ao Oriente. O dogma não define se Maria morreu ou não. Só nos diz que foi elevada ao céu após cumprir o curso de sua vida terrestre. Para muitos teólogos Maria morreu, como o Cristo em seu corpo mortal. Já outros acham incompatível com a dignidade e santidade da Virgem e que por isso Deus a haveria poupado desse ‘trânsito’. Aqui também se pergunta se seu corpo passou pelo processo de corrupção, mas Pio XII afirmava em seu documento que Cristo a preservou imune da corrupção do sepulcro. Assim, a morte de Maria foi descrita pelos teólogos como ‘êxtase’, um ‘trânsito’ ao céu, uma espécie de ‘adormecimento’.
Na realidade o dogma não está preocupado o que aconteceu nesse processo de passagem, mas sim nesse modo novo de existência da Virgem. Essa glorificação corporal que ela experimenta por antecipação o que para nós é objeto de esperança. Sua assunção é consequência ‘natural’ da sua concepção imaculada, pois o pecado é o fundamento da morte. E ainda mais, como resultado de sua adesão a Cristo na fé e na obediência.
O dogma também traz a realidade da totalidade salvífica de Deus ao afirmar ‘de corpo e alma’. O ser humano concreto – corpo e alma – é que é convidado a participar dessa vida plena em Deus. “Desconhecemos totalmente as características concretas da participação do corpo na ressurreição final. Alguns teólogos a descrevem como uma corporeidade esclarecida, uma matéria transfigurada... Isso se realiza na Virgem assunta aos céus, que participa plenamente dos frutos da ressurreição de Jesus. Constitui evidência vigorosa da eficácia da graça, que abrange também a realidade material do corpo” (Angel L. Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria). E aqui temos uma iluminação sobre o sentido do corpo humano na sua dignidade e função como expressão do espírito, meio de comunicação com a realidade e morada da Trindade.
Esse novo estado possibilita uma maior presença e ação em nosso mundo da Virgem, pois exaltada como Rainha do Universo, comunga plenamente da missão do Filho, que em sua presença entre nós nos convida a fazer parte desse reinado cristão. Maria assim o faz de modo eminente e distinto. Todo poder é serviço no amor, nos lembra Cristo, sem triunfalismo terreno. Portanto tal realeza mariana está a serviço do amor sem exclusões. E isto não a coloca num patamar de inacessibilidade nem esquecida de nós. Seu trabalho é forjar essa dinâmica do Reino em nós, estendendo seu amor sobre toda a humanidade, por isso o título de medianeira ao lado do Cristo Mediador. Ativa na Redenção, Deus a coloca ativa na cooperação da transmissão da graça a cada redimido. Mesmo não sendo um dogma de fé, essa realidade pertence à fé comum da Igreja.
E assim nós a contemplamos, no céu, como modelo e modeladora dos filhos de Deus, como foi para com seu Filho. Continua a pedir por nós (Onipotência Suplicante), lutando contra toda espécie de inimigo que atrapalha a consolidação do Reino de Cristo aqui na terra. Os dogmas marianos aclaram a pessoa e a missão de Maria, trazendo assim melhor clareza para a nossa fé, estabelecendo normas e abrindo dimensões fecundas para a espiritualidade e a pastoral da Igreja. Podemos concluir assim essa reflexão em torno de Maria, mesmo ainda tendo muito a dizer. Obrigado por nos acompanhar por essa estrada, onde sozinhos nunca estamos.