E TE CHAMAVAM MARIA... – TEXTO 14


       Ainda estamos no ambiente da Anunciação, do diálogo do anjo com Maria. Os anjos são instrumentos nas mãos de Deus para o anúncio e realização dos seus planos. Os veremos bastantes atuantes não só em Lucas, também em Mateus nos sonhos de José e no deserto da tentação como em Marcos. São portas vozes da vontade divina. O anjo vai ao encontro da Virgem. Ela ouve a voz que a cumprimenta. Aqui aparece a iniciativa divina tanto quanto o caráter de interioridade do diálogo que aqui se trava.
     Entrando onde ela se encontra, a saúda:  “Ave, cheia de graça!”. Mais que uma simples saudação, temos um convite à alegria pela presença salvadora de Deus, alegria de caráter íntimo de quem reconhece ação de Deus. O anjo não a chama pelo nome, mas dá-lhe um novo nome: “Cheia de graça”, algo único e excepcional, não só pelo seu estado físico e espiritual, mas por causa de sua missão única e irrepetível. “Rigorosamente falando, trata-se de um particípio passivo que tem Deus como objeto subtendido: tu foste cumulada de graça para poderes acolher o Filho de Deus no teu seio. Surge, assim, em Maria a iniciativa divina; brilha a graça; manifesta-se o amor de Deus” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
    Prossegue o anjo afirmando: “O Senhor é contigo”. Deus a escolheu na gratuidade de Sua iniciativa amorosa. Quando Deus comunica sua graça, produz um estar-com-Ele e n’Ele, Ele doa-se a Si mesmo. Nela habita a plenitude da graça que é possível a um ser humano redimido. Deus lhe será fiel, diz o anjo, auxiliando-a em sua missão, como o fez no passado ao usar a mesma expressão aos grandes personagens do seu povo. “O Senhor, porque ama, não deixará Maria sozinha. Porque quer confiar-lhe uma tarefa, adianta-se, garantindo-lhe a continuidade de sua ajuda fiel. Porque é Pai, revela seu amor feito de intimidade pessoal e de confiança na generosidade do filho, tornada possível por sua permanente assistência” (Angel L. Strada – Maria: um exemplo de mulher – Ave Maria).
  Lucas menciona a ‘perturbação’ da Virgem diante dessas palavras iniciais, pois não conseguia compreender exatamente o que o anjo estava lhe falando. Sua atitude é altamente respeitosa diante do mistério que a ela se apresenta. O anjo convida-a a não temer, chamando-a pelo nome e a uma atitude filial, que marcará a partir de Jesus, esse encontro da humanidade com Deus. Por várias vezes esse convite de não temer virá dos lábios de Jesus, convidando ao exercício da confiança no amor do Pai. O anjo antecipa-se a lhe revelar o objetivo de sua visita: sua concepção de um filho que se chamará Jesus, numa clara alusão ao profeta Isaías (7,14) e revertendo o costume judaico de ser o pai a dar o nome ao filho. De ‘Emanuel’ (Deus conosco) passa-se a Jesus (Deus salva). Em meio a sua inquietação ela compreende que será mãe do Messias prometido.
      Dentro de uma lógica que demonstra não ser ingênua ela questiona tal maternidade já que se conservava Virgem também no corpo. Não no sentido da dúvida ou incredulidade, como fez Zacarias um pouco antes. Ela quer saber de maneira concreta como isso se dará sem as vias normais das relações conjugais. Ele lhe explica que tal evento se dará pela mera ação divina, à sombra do Espírito Santo. Aqui se faz uma clara alusão à nuvem que simboliza a presença divina: “Lucas vê repropor-se em Maria de modo pleno e perfeito a tipologia da arca da aliança e da filha de Sião, que delineamos nas figuras vetero-testamentárias. Tal como a nuvem cobria o povo eleito em marcha pelo deserto (Nm 10,34; Dt 33,12; Sl 19,4), tal como a nuvem, sinal do mistério de Deus, dominava sobre a arca da aliança (Ex 40,35), tal como o Espírito de Deus soprava sobre o caos da criação (Gn 1,2; Sl 104,30), assim agora a sombra e o Espírito do Altíssimo envolvem e penetram este tabernáculo da nova aliança que é o seio de Maria. É sugestivo o paralelo entre o relato de Lucas e o texto já citado do profeta Sofonias” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).

“Rejubila, filha de Sião, o Senhor, rei de Israel, está no meio de ti. Não temas Sião... O Senhor, teu Deus, está contigo, o Poderoso te salvará” (Sf 3,14-17).

“Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo. Não temas Maria... Hás de conceber no teu seio e dar à luz um filho” (Lc 1,28.30.31).