E TE CHAMAVAM MARIA – 29



  Num último olhar sobre os textos sagrados que fazem referência à Virgem, este nos vem do Livro do Apocalipse (12,1-4). Esse livro profundamente carregado de imagens simbólicas e enigmáticas (gênero apocalíptico), traz a luta e a história do novo povo de Deus nesse peregrinar para  o ‘novo céu e a nova terra’ (21,4) das comunidades da Ásia Menor. Composto por volta do ano 90-100, seu autor nos convida a esperança sem esquecer o presente, um otimismo que não ignora os sofrimentos. Orienta-nos para futuro, sem fazer previsões ou narrar detalhes históricos do que virá. Não pretendo me deter sobre o mesmo, já que não é nosso objetivo aqui.
  O texto que tomamos desse livro faz parte da nossa liturgia da Palavra para a Solenidade da Assunção de Maria e parte na Festa de Nossa Senhora Aparecida. Podemos ler o capítulo na íntegra para situarmo-nos nessa interpretação mariológica que se faz do mesmo. O texto parece fazer menção ao Cântico dos Cânticos (6,10) quando menciona essa figura feminina com a lua debaixo dos pés e coroada com uma coroa de doze estrelas. Aqui se vê Maria que dá à luz ao seu Menino, ao mesmo tempo que se alude à sua Assunção ao ser levada para um lugar que lhe fora preparado por Deus, lugar temporário, pois três anos e meio é a metade de sete, que seria o número de plenitude).
  Na realidade, para os estudiosos, sem descartar a menção a Maria, o autor estava pensando ou no novo Israel do qual provém Cristo, ou na própria Igreja onde Cristo nasce continuamente através da Palavra e da Eucaristia. A mulher seria o símbolo do bem e da salvação que nos vem de Deus. Está em jogo aqui também a menção da parturiente de Is 7,14 ligada à promessa do Messias. A imagem do dragão traz a imagem do mal que representa tantos os poderes terrenos quanto o próprio demônio, pois sua ação é um desafio ao Céu. O conflito é aqui estabelecido entre o Bem e o Mal, pois o varão nascido da mulher tem as qualidades messiânicas não tanto do nascimento de Belém, mas da força da Ressurreição da manhã da Páscoa, cujas dores se referem à Paixão.
  Temos a figura de Miguel, adversário declarado de Satanás, e dessa batalha que desemboca na expulsão dos anjos rebeldes. Uma voz anônima nos explica a cena mencionando a vitória de Cristo, o Cordeiro, por seu testemunho e sua paixão. Mesmo tendo anunciado essa vitória, a batalha prossegue na história entre a descendência da serpente e da mulher, mesmo que a vitória final já tenha sido declarada ser de Deus e seus eleitos. Não vou me deter no que se segue. Podemos ver que a figura da mulher do Apocalipse oscila entre a representação da Igreja, povo de Deus na terra, perseguida por Satanás e a Mãe do Messias, Maria, contra a qual se enfurece o poder das trevas que tenta aniquilar o Filho, princípio de salvação e de vitória sobre o mal.
  Na figura da mulher vestida de sol com a lua debaixo dos pés se exalta, de modo inigualável a beleza da Virgem. É dessa imagem que se inspiram as famosas esculturas e pinturas da Imaculada. Aos pés da Virgem se acrescentará a serpente do Gênesis, identificada com o dragão do Apocalipse (mais claramente identificada na imagem de N. Sra. das Graças).
  Concluo esta nossa página com as palavras de um livro litúrgico copta citado por Gianfranco Ravasi (Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus): “’Vi um sinal que apareceu no céu. É uma mulher vestida de sol: debaixo dos pés estava uma lua, e doze estrelas formavam uma coroa na cabeça. Estava grávida e gemia com as dores do parto’. Ela é Maria, o novo céu que está sobrea terra, da qual surgiu para nós o sol da justiça. De fato, o sol que a envolvia é o nosso Senhor Jesus Cristo; a lua que estava sob os pés é João Batista; as doze estrelas que formavam uma coroa na cabeça são os doze apóstolos que a circundam e a veneram. Por isso, todos os povos glorificam a Virgem, porque foi ela que gerou Deus para nós, enquanto a sua virgindade permaneceu sigilada!”.
  Na nossa próxima reflexão faremos a conclusão geral desse passeio que fizemos pela Bíblia nas figuras que remetem à figura de Maria e de seu mistério na história salvífica. Grande abraço!