E TE CHAMAVAM MARIA... 26



  Descemos com Jesus, Maria e os discípulos para a cidade de Cafarnaum, um dos centros da pregação de Jesus, o que nos leva a crer que José já havia falecido e por isso não é mais mencionado como pai de Jesus. A presença de Maria ao longo dessas andanças do Filho foi bastante discreta, perdida na multidão, mas consciente que o Filho já estava cuidando das coisas do seu Pai, conforme dissera aos 12 anos (cf. Lc 2,49). Mesmo assim, isso não impedia que vez ou outra sua existência fosse mencionada, como no caso da mulher anônima que elogia o Pregador e faz referências à Sua origem: “’Bem-aventurada aquela que te trouxe no seio e te amamentou! ’ Mas Jesus disse: ‘Bem-aventurados antes os que ouvem a palavra de Deus e a observam’” (cf. Lc 11,27-28).
  A referência dessa mulher na multidão se refere ao próprio mistério da maternidade, muito mais exaltado naquele tempo do que nos nossos dias. Mas Jesus nos faz reconhecer que em Maria uma outra bem-aventurança a coloca num plano superior, aquele da fé, da escuta obediente, da fidelidade cotidiana por causa da Palavra: “Maria é bem-aventurada precisamente também por isto, porque escutou a Palavra de Deus e a pôs em prática. De fato, conservou mais a verdade na sua mente do que a carne no seu seio. Cristo é verdade, Cristo é carne; Cristo é verdade na mente de Maria, Cristo é carne no seio de Maria. Conta mais aquilo que trouxe na mente do que aquilo que trouxe no seio” (Santo Agostinho, Discursos, XXV,7-8).
  Este elogio da mulher que Jesus retoma de forma mais potencializada, nos recorda também aquele momento em que a Mãe de Jesus, juntamente com seus irmãos, deseja falar com ele (Cf. Mc 3,31-35; Mt 12,46-50; Lc 8,19-21). É uma dessas palavras que parecem distanciar a Mãe do Filho, como se a vida desta não foi, desde sempre, fazer a vontade de Deus. E aqui entendemos que este afastamento só a aproxima ainda mais do Filho, pois mais uma vez o vínculo carnal é colocado em segundo plano, mas não desvinculado. Ela se torna um símbolo da verdadeira parentela com Jesus, calcada numa intimidade de escuta e obediência: “Porventura não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, a qual acreditou em virtude da fé, concebeu em virtude da fé, e foi eleita como aquela da qual haveria de nascer a nossa salvação entre os homens, foi criada por Cristo, antes que Cristo fosse criado nela? Maria Santíssima fez certamente a vontade do Pai e por isso conta mais para Maria ter sido discípula de Cristo do que ter sido a mãe de Cristo... E quando Jesus diz ‘irmãos e irmãs’, é claro que quer falar de uma só e mesma herança. Por isso, Cristo embora sendo único, na sua misericórdia, não quis ser só, mas fez de modo que fôssemos herdeiros do Pai e seus co-herdeiros na sua própria herança” (Santo Agostinho, Discursos, XXV,7-8).
  “Aquilo que nessas passagens aparece, à primeira vista, como rejeição é, na realidade, colocação de Maria em sua verdadeira posição, sustentadora de sua grandeza e sua dignidade. Maria é bem-aventurada por sua condição de mãe física de Cristo, mas o é mais ainda por acolhê-lo com fé e segui-lo com entrega total. Pois escutar a Palavra e cumpri-la consiste em crer em Cristo e segui-lo. A Palavra de Deus é uma pessoa: Cristo, o Verbo encarnado. Drama da pregação de Jesus finca suas raízes na falta de acolhida por parte dos seus ouvintes, os quais, ‘vendo, não veem e, ouvindo, não ouvem nem entendem’. Rejeitam sua mensagem, não aceitam sua pessoa” (Angel L. Strada – Maria: um exemplo de Mulher – Ave Maria).
  Depois de passarmos brevemente estas citações da vida pública de Jesus, eis que chega a hora de nos encontrarmos com Maria e Jesus ao pé da cruz, numa contemplação particular de sua fidelidade ao projeto do Pai ao gerar seu Filho até o último momento. Por fim chega a ‘hora’ anunciada em Caná e Maria não se esquiva desse momento, pois sabe que ali também se esconde a vontade do Pai. Como discípula atenta, fez o que indicou aos outros: ‘fazei tudo o que ele vos disser’. Corramos também com a multidão que contempla esse horrendo espetáculo, mas não fiquemos a meio-caminho. Vamos com Maria até a Cruz.