E TE CHAMAVAM MARIA... 23



  Já tratamos da apresentação do Menino, que pela lógica deve ter acontecido antes da fuga para o Egito. Voltando para a Palestina, José e sua família são encaminhados para Nazaré por uma comunicação divina. É de lá que se origina o próximo episódio que envolve a Mãe, segundo a narrativa de uma das recordações colhidas por Lucas (2,41-50). Tendo atingido a idade de 12 anos, ele é levado por seus pais uma segunda vez ao Templo. É aqui que temos as primeiras palavras de Jesus registradas pelos evangelhos. Pela tradição judaica Ele já está apto a acompanhar os pais nesse preceito religioso.
  Tendo os pais cumprido o que estava prescrito, organizaram-se para o retorno à sua cidade, segundo alguns comentaristas, em duas caravanas diferentes. Um julgava que o Menino Jesus estivesse com o outro. Quando estas se encontram num dado momento é que se percebe que o Garoto ficou em Jerusalém. Os pais retornam e o encontram em meio aos doutores da Lei partilhando os seus conhecimentos. Enquanto estes estão admirados com tamanha capacidade, seus pais estão em desespero atrás do Filho. A narrativa não faz e menor menção a como ‘se virou’ Jesus durante esses três dias.
  Maria avança em direção ao Filho para protestar seu ‘desaparecimento’.  Ele responde de forma um tanto seca e na sua resposta deixa entrever claramente a Sua origem e as Suas disposições ao mencionar o seu Pai. “A vocação de Jesus não é estar a serviço de uma mãe extraordinária e de uma santa família de criaturas humanas, mas de estar a disposição do Pai celeste que com Ele tem uma relação única de paternidade. E isto sem faltar aos seus deveres familiares: ‘voltou para Nazaré e era-lhes submisso’ (v. 51). Perante este primeiro corte que Jesus faz dos seus afetos humanos, o desconcerto em Maria e José é evidente: ‘eles ficaram surpreendidos e não compreenderam aquelas palavras’ (vv. 48.50). é a mesma dificuldade que experimentarão os discípulos: ‘Eles não compreenderam nada do que lhes dizia porque era uma linguagem obscura para eles e palavras cujo sentido não compreendiam’ (Lc 18,34). Maria, porém, observa Lucas, ‘conservava todas estas coisas no seu coração’ (v. 51). é através da meditação na fé e do dom da sabedoria revelada que se pode penetrar no mistério de Cristo, mistério que ‘ultrapassa todo conhecimento’, cujo comprimento, largura, altura e profundidade só podem ser revelados por Deus (Ef 3,18-19)”  (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).  Na sua meditação, Maria receberá o dom da ‘inteligência’ na fé e da fé, pois guiada pelo Espírito, ela será introduzida no mistério do Filho. Oxalá tenhamos as mesmas disposições meditativas em nossa caminhada.
  Todos os relatos da infância revelam o que está por vir. É o Mestre que aqui se revela, aos pés do qual muitos se sentarão para beber de sua sabedoria e aprender o discipulado (cf. Mt 23,8).  Maria começa a compreender que a sua separação do Filho não é sinal de afastamento, mas de uma nova e diferente proximidade. Deus tem um plano maior para Ele, e por que não dizer também para ela? Jesus poderia se arrogar de Sua própria posição de Filho de Deus, mas se submete numa atitude de obediência aos seus pais, não só colocando-se a serviço da sua família, mas da inteira humanidade, recusando ser servido.
  No retorno a Nazaré, Maria e José podem refletir que se um filho é capaz de acolher com respeito e amor a submissão que lhes é devida, os pais têm que saber que o seu filho tem um destino que eles não podem predeterminar. “Eles podem sonhar à sua imagem, mas, no fim de contas, têm de o acolher como ele é, com os seus dotes específicos e com a sua vocação. Saber aceitar é sinal de amor. Dominar ou considerar o filho (ou a mulher ou o marido) como propriedade privada é sinal, pelo contrário, de egoísmo e de mesquinhez. ‘é preciso que ele cresça e eu diminua’: palavras de João Batista que são também as palavras de Maria e daqueles pais que compreendem a função e os limites da sua missão” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus). 
  É esse caminho obscuro de silêncio recolhedor que Maria faz em seu caminhar, descobrindo novas ‘camadas’ daquele Garoto que lhe foi dado para gerar e cuidar. Em sua caminhada de fé não foi poupada das surpresas da vida, como qualquer um de nós. Porque a fé é assim, nunca um caminho pronto, predeterminado, mas sempre por descobrir. Assim caminhou a Virgem, nesse claro/escuro, mas sem deixar de caminhar. Amém.