“E TE CHAMAVAM MARIA...” - Texto 02.



     Ao longo dos séculos a discussão em torno do mistério mariano fez com que se projetasse sobre ele luzes de tonalidades diferentes que ora iluminavam sua pessoa, outras obscureciam e empobreciam. O nosso tempo não é diferente. Há uma variedade de sentimentos que se mesclam de luzes e sombras. A CNBB nos propõe para esse ano uma releitura dos documentos oficiais da Igreja no que tange a figura de Maria no mistério salvífico, tanto que há um projeto de republicações para provocar novo interesse na beleza dos diversos posicionamentos eclesial.
     A Lumem Gentium (documento do Vaticano II), no capítulo VIII nos apresenta uma síntese e extensa e ao mesmo tempo completa da doutrina católica sobre Maria, situando-a no lugar mais teológico mais adequado e verdadeiro: o mistério de Cristo e da Igreja. Esse documento é responsável pela renovação da devoção mariana na Igreja. Em sua esteira veio a Marialis Cultus de Paulo VI, para uma reta compreensão “do desenvolvimento do Culto à Santíssima Virgem”. Entre os aspectos bíblicos e teológicos, busca-se reordenar a parte litúrgica das memórias, festas e solenidades marianas.   Nos últimos tempos João Paulo II deu especial incentivo a devoção mariana, particularmente por seu próprio lema pontifício: “Totus tuus” (Todo teu) que nos revela um profundo amor pessoal e um verdadeiro programa pastoral. Recomendo a leitura da “Redempetoris Mater” (A Mãe do Redentor), de João Paulo II sobre ‘a Bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho’.
    O Vaticano II chamou nossa atenção para o valor da religiosidade popular e também na reordenação dessa para uma centralidade em Cristo.  O nosso continente tem presente de maneira bem acentuada a religiosidade na devoção mariana e reconhece a força de evangelização que essa traz consigo. Os documentos produzidos em nossas conferências trazem esse selo mariano de uma herança e de um instrumento valioso para a evangelização dos nossos povos no encontro com Deus e com o outro, mesmo na consciência de que as manifestações religiosas em torno de Maria ainda careçam de uma purificação e aprofundamento.
    Por parte de muitos cristãos há um certo temor que a devoção mariana nos afaste do essencial: Cristo. Desviando a nossa atenção para coisas secundárias, levando-nos, talvez, a uma vivência devocional intimista que nos tira dos verdadeiros problemas do mundo e da humanidade de hoje. “Diante de enfoques falsos, muitas vezes brotam com razão numerosos preconceitos com relação à figura de Maria. De fato, existem perspectivas que deformam e caricaturam sua imagem, arrancando-a do mundo real para convertê-la numa princesa de um conto de fadas ou num ser inacessível e sobre-humano. Surge, então, a tentação de rejeitar categoricamente tudo que se refere a Maria”  (Angel L. Strada, in Maria: um exemplo de mulher).
    A dificuldade encontrada por muitos da percepção do valor da devoção mariana talvez esteja no exagero com que alguns vivem a sua devoção a Maria. Dando-lhe todo tipo de privilégios e prerrogativas numa ação com poderes próprios da divindade. No meio do imaginário popular sobre a sua vida, há também uma certa predileção por parte de alguns com relação às aparições e mensagens privadas, muitas vezes deixando de lado o que nos diz os evangelhos ou mesmo a Igreja com relação a esses fenômenos extraordinários.  Sem falar de uma devoção que se situa em sentimentos esporádicos vividos em situações de apuro e necessidade. Como podemos ver, há uma gama de desserviços à verdadeira devoção mariana.
    Esse ano pode nos abrir a possibilidade de renovar nosso encontro com Maria por uma atualização e melhor clareza da espiritualidade e da teologia mariana. Para isso nosso olhar deve voltar-se para a Sagrada Escritura, particularmente os evangelhos, e como o interpreta o magistério da Igreja, numa linguagem que nos permita chegar ao homem e a mulher de nosso tempo ajudando-os a transformar em vida o que nos inspira a Virgem Maria, pois ela é parte constitutiva de todo o mistério cristão.