E TE CHAMAVAM MARIA... 25



  Depois de refletirmos brevemente sobre a ida de Jesus a uma sinagoga em Nazaré, retomamos esse tempo da vida pública de Jesus, onde as dimensões da relação entre Jesus e Maria se tornam mais notórias. A maternidade física vai dando espaço a algo muito mais elevado e profundo: o vínculo da fé. “Cristo gera Maria no evangelho, cuida dela e a educa como ouvinte de sua Palavra. Cristo é filho de Maria, Maria é discípula de Cristo. Cristo se faz homem em Maria e através de Maria. Maria se torna filha de Deus em Cristo e através dele, por quem e para quem existe. O vínculo materno-filial não desaparece, aprofunda-se e transforma-se num vínculo de maior intimidade e força: a perfeita realização da vontade do Pai. O parentesco segundo a carne é assumido e elevado pelo vínculo da fé de Maria na pessoa e missão de seu Filho” (Angel L. Strada – Maria: um exemplo de Mulher – Ave Maria).
  Certamente estamos lembrados de algumas passagens evangélicas que nos deixam a impressão de uma certa rejeição de Jesus à pessoa de Maria, mas um olhar mais apurado nos permite perceber que na realidade Jesus vai colocando Maria na sua verdadeira posição. Diferentemente da multidão que cerca Jesus, que muitas vezes rejeita a sua mensagem e a sua pessoa, o acolhimento da Virgem se torna mais patente. Maria é o terreno que a semente da Palavra encontrou, um terreno totalmente fecundo, e isso só é perceptível na somatória do seu caminhar como discípula até a Cruz.
  Tudo isso só foi possível pelo cultivo da interioridade que a fez passar da estranheza dos fatos sucedidos após o anúncio do anjo a escuta da Palavra que brotou dos próprios lábios do Filho. “Maria é a Virgem da interioridade, aquela que saboreia com o coração e compreende com a mente as manifestações de amor e se encontra com os gestos básicos de Deus da Aliança que opera em sua própria vida. É a Virgem reflexiva, que detém na sua história pessoal e na do seu povo. Pode fazê-lo porque não é vítima da vertigem dos êxitos. Em seu coração reina silêncio, para escutar a Palavra de Deus, e há pureza para não confundi-la com as próprias palavras. Essa riqueza interior não a instala num mundo à parte, não a afasta da realidade, nem a confina num subjetivismo egoísta. É-lhe outorgada, pelo contrário, por uma sutil percepção das necessidades dos demais e por uma vontade decidida para a transmissão daquilo que enche a sua vida. É o testemunho ensejado pelo relato das Bodas de Caná” (Angel L. Strada – Maria: um exemplo de Mulher – Ave Maria).
  Caná fica a seis quilômetros de Nazaré, ali Jesus realiza o seu primeiro ‘sinal’, assim João indica a particular qualidade e função dos milagres de Cristo: estes apontam para um sentido e uma realidade mais profunda. Como dissemos anteriormente, a manifestação de Jesus se dá em seu caráter messiânico quando tomamos a somatória dos elementos em cena (O banquete nupcial, o Esposo, a abundância de vinho, a alegria). Ali está Maria, sob o título solene de “Mãe de Jesus”. Em todo o evangelho de João ela não se chama Maria.
  Temos um dialogo seco entre a Mãe e o Filho quando da comunicação de Maria sobre o fim do vinho na festa. A resposta de Jesus é o tipo de frase que depende muito da tonalidade em que foi pronunciada para entendermos o seu significado. Mesmo usando o termo ‘Mulher’, Jesus não estava se distanciando; em João perceberemos que é um apelativo normal utilizado por Jesus em seu diálogo com outras mulheres e particularmente com a Mãe ao pé da Cruz, a verdadeira e grande ‘hora’ em que se dará a Sua glorificação e a salvação para a humanidade. Maria sugere, como quem reza, deixando a critério do Filho o que fará, pedindo apenas um ato de obediência à vontade de Deus que ali se manifestará.  
  “A este ponto é clara a mensagem que a narração joanina das bodas de Caná nos quer transmitir através da ação de Maria: o Cristo é o ‘vinho bom’ e ‘último’, isto é, o Messias, o perfeito enviado do Pai. E é precisamente ela, a ‘mulher’ perfeita, a nova Eva, Maria, que nos apresenta Cristo na sua missão de salvação, na sua ‘hora’ solene, fonte de alegria e de libertação dos pesadelos. O centro do trecho é Cristo, mas Maria está ao lado d’Ele e, com a sua fé límpida e total, convida-nos a ‘fazer o que Ele disser’” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).  Caminhemos na estrada de Jesus, junto com Maria.