E TE CHAMAVAM MARIA... – TEXTO 13


    Chegou o momento de nos debruçarmos sobre as páginas do Novo Testamento, onde pouco se fala de Maria, mas nesse pouco nos é oferecido uma espécie de radiografia de sua alma. Iniciamos por Lucas 1,26-28: “O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado de José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: ‘Salve, cheia de graça, o Senhor está contigo...’”.
    Quem de nós, meditando essas palavras no 1º mistério Gozoso, não se coloca a imaginar em que circunstâncias esse primeiro encontro se deu. Alguns pensam, e pintam, a Virgem, num recinto, recolhida, onde o Anjo entra e reverentemente inicia um diálogo. Outros a imaginam sendo surpreendida numa fonte onde está a buscar água, sozinha. Entre a atitude de recolhimento e das tarefas do dia a dia, gostaríamos de saber como se deu o anúncio. Os artistas tentam satisfazer a nossa curiosidade contemplativa nas várias expressões espalhadas pelo mundo inteiro. Mas é necessário que compreendamos que para além da poesia inspiradora, estamos diante de uma página da Escritura com profundo ‘sabor’ teológico. Nosso olhar e pensamento se voltam para Maria, mas é a Cristo que essa página quer apresentar, tanto que na festa da Anunciação do Senhor (25 de março), o caráter cristológico é que predomina na liturgia.
    A aldeia de Nazaré era um espaço insignificante na geografia da antiga Palestina. As pobres residências ali erguidas estavam encostadas às montanhas ou montes em cujas grutas eram aproveitas como despensa, como residência estival e invernal, como quarto de hóspede. É neste espaço que podemos imaginar que se tenha dado o encontro entre o divino e o humano, cancelando a antiga distância delimitada. É provável que a Virgem tivesse uns doze anos, segundo os costumes nupciais da época. Não podemos precisar. O relato que nos é apresentado remonta a outras narrativas do Antigo Testamento, do anúncio de outros nascimentos gloriosos. Lucas bebe dessas fontes e nos lembra, de novo, que no centro dessa narrativa está Jesus: Filho do Altíssimo, Filho de Deus, Santo, dirá o Anjo.
    Ao lado deste Filho, eis a mãe. Chamada de virgem, pois não conhece homem, diz ela. E aqui a imaginação de vários autores atribuem à Virgem um possível voto de castidade ou até de virgindade dentro do próprio seio do matrimônio por causa do oráculo de Is 7,14. Nas narrativas do Antigo Testamento, como no caso de Isabel, havia o fator de esterilidade. Enfim, não importa a teoria a ser defendida, a preocupação aqui é deixar claro que o concebimento de Jesus exclui o sémen humano, Ele é filho de Deus que em Maria opera através do seu Espírito, tornando-a fecunda e grávida (recordemos a figura da pomba em muitas pinturas...). “Na anunciação do nascimento de João batista encontramo-nos perante um ardente desejo por parte dos pais que sentem muito a falta de um filho; Maria, pelo contrário, é virgem, ainda não viveu com o marido, não tem esse ardente e humano desejo: para ela trata-se de uma surpresa. Não se está perante uma súplica por parte do ser humano e respectivo atendimento generoso por parte de Deus. Aqui, encontramo-nos perante a iniciativa de Deus que ultrapassa qualquer sonho por parte do homem ou da mulher” (R. E. Brown – La nascita del Messia – Cittadella, Assis, 1981).
    “Com São Bernardo dirigimo-nos também a Maria para que acolha o anúncio: ‘O anjo espera tua resposta, ó Maria! Esperamos também nós, ó Senhora, este teu dom que é dom de Deus. Está nas tuas mãos o preço do nosso resgate. Responde depressa, ó Virgem! Pronuncia, ó Senhora, a palavra que a terra e o céu esperam. Dá a tua palavra e acolhe a Palavra; diz a tua palavra humana e concebe a Palavra de Deus; pronuncia a tua palavra que passa e estreita no teu seio a Palavra que é eterna... abre, portanto, ó Virgem bendita, o teu coração À fé, os teus lábios à palavra, o teu seio ao Criador. Eis, aquele que é o desejo de todas gentes, está fora e bate à tua porta... Levanta-te, corre, abre! Levanta-te com tua fé, corre com teu afeto, abre com o teu consentimento’” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).

    Essa história continua...