E TE CHAMAVAM MARIA – 30



Chegamos ao final de nossa caminhada pelos textos bíblicos das figuras inspiradoras que compõem o universo de reflexões em torno da Virgem Mãe. Tomamos como base o livro de Gianfranco Ravasi “Os Rostos de Maria na Bíblia” e algumas anotações de Angel L. Strada em seu livro “Maria: Um exemplo de Mulher”. Continuaremos o nosso itinerário através de outros autores e suas reflexões, aqui sintetizadas para compor esse mosaico que estamos construindo na tentativa de, pela contemplação do mesmo, tenhamos uma melhor compreensão de Maria no plano salvífico e de como nossa devoção mariana pode ser melhorada em sua comunhão com a fé da Igreja.
Fora desse mundo bíblico e reflexivo do magistério da Igreja encontramos muitos escritos que, de certo modo, alimentaram a devoção mariana através de imagens de grande fascínio, com alguma pitada histórica, mas também deformadas e ilusórias. É nesse terreno que encontramos os escritos apócrifos. Alguns descrevem a infância de Maria como a de Jesus, como alguém que se comporta como um adulto, como quem já sabe o que lhe espera (Pseudo-Mateus). Claro que todos esses escritos tentam preencher uma lacuna deixada pelos Evangelhos canônicos. O mais popular desses textos é certamente o Apócrifo de Tiago que remonta as reminiscências da origem de Maria ao citar seus pais (Joaquim e Ana) que entram no rol dos santos da Igreja. Focado na natividade de Maria, também nos trás uma série de pormenores do nascimento de Jesus. As celebrações da natividade de Maria e sua apresentação no templo foram inspiradas nesse texto tanto para o Oriente como para o Ocidente.
Segundo esse mesmo Protoevangelho de Tiago, Maria teria ficado no Templo até os doze anos, alimentada pelos anjos. Ao chegar o período da menstruação, para não contaminar o templo, a menina teria que deixa-lo. Para isso foi escolhido um grupo de viúvos (outros apócrifos falam de solteiros), dos bastões que estes traziam, um deveria florir como indicação de quem deveria cuidar da menina. Esse bastão é o do velho e humilde José. Assim podemos compreender algumas imagens que trazem um José já envelhecido com o Menino nos braços. Para os Orientais seria mais razoável crer que José fosse um velho e tutor de Maria a ser um jovem carpinteiro que a desposara, para resguardar a virgindade da mesma. Mas outros textos falam de um casamento com José e uma série de outras informações que podemos até vislumbrar nos filmes que tentam narrar a infância de Jesus e os primeiros anos de convivência entre Maria e José, até o anúncio do anjo Gabriel.
O mundo criativo e imaginativo dos apócrifos carrega na tinta aos descrever outros episódios da vida de Jesus, tal como a fuga para o Egito, uma infância marcada por eventos mirabolantes, mas que tem a ver com o futuro Messias. Mas um detalhe deixado de lado pelos Evangelhos canônicos e longamente descrito pelos apócrifos é o encontro de Maria com seu Filho após a ressurreição, com os apóstolos. Tratam também do seu fim terreno, do seu sepulcro e da sua elevação ao céu, exaltando a Assunção de Maria à imagem do Filho, abrindo caminho para o dogma da Assunção em 01 de novembro de 1950. Essa verdade professada pela Igreja quer refletir sobre o mistério ‘pascal’ de Maria. Trataremos dos dogmas marianos mais adiante.
Para além desse mundo de textos apócrifos que alimentou a piedade e a religiosidade popular, está uma reflexão teológica que buscamos fazer a partir dos textos bíblicos, partindo do Antigo Testamento, onde ela se encontra “profeticamente oculta” (LG 15) passando pelo novo e pela Tradição eclesial, o mais importante de tudo isso é o que encontramos no Novo Testamento e já salientado pelo Vaticano II: uma peregrina na e da fé.
“Como gostaria de ter sido sacerdote para pregar sobre a Virgem Maria! Parece que me teria bastado uma única vez para fazer compreender o meu pensamento acerca dela... Seria preciso dizer que ela vivia da fé como nós’. Era assim que santa Teresa do Menino Jesus exprimia o seu desejo de testemunhar o seu amor pela Virgem e de imediato identificava uma componente fundamental – muitas vezes menosprezada por muitos pregadores habilitados – a componente da fé” (Gianfranco Ravasi - Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).