E TE CHAMAVAM MARIA – 37


O Papa Francisco introduziu a memória obrigatória de Maria Mãe da Igreja no dia 3 de março de 2018. Tendo como dia fixo a segunda-feira após Pentecostes. O Brasil já traz essa afirmação na Oração Eucarística V. Não é uma afirmação dogmática, mas uma reflexão sobre o mistério mariano e eclesial. O título em si não é uma novidade, nem acrescenta algum privilégio a Maria, apenas compreende que essa sua posição na vida cristã deriva do dom e tarefa que recebeu do próprio Deus. “O tema que nos ocupa não é algo reservado aos teólogos ou próprio dos místicos. Olhar a Igreja a partir de Maria significará fazer afirmações importantes a respeito de sua missão e natureza. E o inverso: olhar Maria a partir da Igreja conduzirá a um determinado enfoque de sua pessoa e função. Por conseguinte, trata-se de um tema com repercussões vitais e doutrinais muito forte, e que incidem essencialmente em nossa qualidade e atuação de cristãos” (Angel L. Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria).

Maria aparece ao longo do ministério de Cristo como Mãe e colaboradora. Se a Igreja tem a missão de prolongar a presença e a mensagem de Jesus no mundo, de certo a presença mariana se faz necessária e se faz sentir como continuidade do próprio mistério e missão que a uniu a Reino de Deus. Assim como cuidou do Verbo, Maria acompanha e dá vitalidade e amadurecimento a essa comunhão que buscamos com Cristo em nossa vida cristã, colocando-se, desde sempre, a serviço desse mistério. Na compressão do seu modo de ser e servir, ela nos educa nesse caminho de fé para que o evangelho vá penetrando em nossa vida e produza frutos de santidade, nessa tomada de consciência de nossa condição filial, nos despertando para a consciência da fraternidade necessária como consequência de nossa adesão a Jesus.

A dinâmica do amor que move o mundo feminino de um modo particular, faz com que nos sintamos família, no exercício do acolhimento, no amor e respeito à vida. A presença de Maria traz consigo esse sentido e expressa traços da própria maternidade de Deus. A Igreja é convidada a ser casa dos filhos de Deus no exercício do respeito, da abertura ao outro e do perdão necessário. É na contemplação de Maria que a Igreja descobre um modo melhor de viver o Evangelho que está para além de sua estrutura hierárquica e sua liturgia.

Maria é aquilo que a Igreja é chamada a ser: mãe. Afirma Paulo VI: “A ação da Igreja no mundo é como um prolongamento da solicitude de Maria: com efeito, o amor operante de Maria, a Virgem, na casa de Isabel, em Caná, no Gólgota – momentos salvíficos de grande alcance eclesial – , encontra sua continuidade no ardente desejo maternal da Igreja para que todos os homens cheguem à verdade; em seu empenho constante pela paz e concórdia social; em sua solicitude para com os humildes, os pobres, os fracos; em sua atitude de prodigalizar-se para que todos os homens participem  da salvação merecida para eles pela morte de Cristo” (Marialis Cultos 28). Levar a vida de Cristo à humanidade exige amor, paciência e cuidado próprio de uma mãe.

A Virgindade de Maria se expressa em sua atitude de confiança e entrega a Deus, numa fé íntegra, sólida esperança e sincera caridade; por isso a Igreja é chamada a guardar pura e integralmente e a fé em Jesus, seu esposo, conservando inalterada a mensagem do Evangelho e da sua doutrina. Mas não basta conservar, é preciso que essa produza vida e salvação para e nos fiéis. Na contemplação e imitação de Maria, a Igreja descobre sua própria identidade.

“Maria, modelo da Igreja, além de ser caso preclaro de si mesma, constitui um sinal da esperança na peregrinação rumo ao Pai. Não só lhe serve de ponto de orientação, mas também é estímulo eficiente, porque em um dos seus membros a Igreja já alcançou o ideal. ‘Enquanto na Beatíssima Virgem a Igreja já atingiu a perfeição, pela qual existe sem mácula nem ruga, os cristãos ainda se esforçam para crescer na santidade, vencendo o pecado. Por isso, elevam seus olhos até Maria, que brilha para toda a comunidade dos eleitos como exemplo de virtudes’ [LG 65]. O que em Maria é ideal encarnado, em nós é ideal que se deve colimar. Para o nosso profundo desejo e esforço no sentido de consegui-lo, é decisivo que alguém já o tenha conquistado” (Angel L. Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria).


E TE CHAMAVAM MARIA – 36



Se o início da existência de Maria foi objeto de reflexão, também a sua saída desse mundo levantou outras tantas questões. O dogma da Assunção revive a questão da importância de Maria no plano da salvação, a sua posição nesse contexto, e como toda a sua existência está envolvida.
Não temos nenhuma informação bíblica a respeito da sua vida após a ressurreição de Jesus e o evento de Pentecostes. Mas tendo presente o que dissemos anteriormente, a Igreja afirma como verdade de fé a sua assunção aos céus em corpo e alma. Isso para dizer dessa condição nova que ela já experimenta e que desejamos um dia fazer parte. Aqui, mais uma vez, a devoção popular teve influência no sentido de encaminhar a afirmação dogmática feita por Pio XII no ano de 1950, em comunhão com toda a reflexão da teologia patrística do século II até os tempos atuais. Na vitória de Cristo, Maria participa de modo particular unindo-se como nova Eva ao novo Adão, seu Filho. “Na vitória de Cristo há participação na luta – que não poderia ser considerada completa sem sua glorificação corporal. Porque ‘quando esse corpo corruptível estiver revestido de incorruptibilidade e esse corpo mortal estiver revestido de imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: a morte foi tragada pela vitória’ (1Cor 15,54; cf. Gaudium et Spes 18)” (Angel L. Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria).
A festa do ‘adormecimento’ de Maria já era celebrada no século VI, chegando a Roma no século VII onde passa a chamar-se ‘Assunção de Maria’, para depois estender-se ao Oriente. O dogma não define se Maria morreu ou não. Só nos diz que foi elevada ao céu após cumprir o curso de sua vida terrestre. Para muitos teólogos Maria morreu, como o Cristo em seu corpo mortal. Já outros acham incompatível com a dignidade e santidade da Virgem e que por isso Deus a haveria poupado desse ‘trânsito’. Aqui também se pergunta se seu corpo passou pelo processo de corrupção, mas Pio XII afirmava em seu documento que Cristo a preservou imune da corrupção do sepulcro. Assim, a morte de Maria foi descrita pelos teólogos como ‘êxtase’, um ‘trânsito’ ao céu, uma espécie de ‘adormecimento’.
Na realidade o dogma não está preocupado o que aconteceu nesse processo de passagem, mas sim nesse modo novo de existência da Virgem. Essa glorificação corporal que ela experimenta por antecipação o que para nós é objeto de esperança. Sua assunção é consequência ‘natural’ da sua concepção imaculada, pois o pecado é o fundamento da morte. E ainda mais, como resultado de sua adesão a Cristo na fé e na obediência.
O dogma também traz a realidade da totalidade salvífica de Deus ao afirmar ‘de corpo e alma’. O ser humano concreto – corpo e alma – é que é convidado a participar dessa vida plena em Deus. “Desconhecemos totalmente as características concretas da participação do corpo na ressurreição final. Alguns teólogos a descrevem como uma corporeidade esclarecida, uma matéria transfigurada... Isso se realiza na Virgem assunta aos céus, que participa plenamente dos frutos da ressurreição de Jesus. Constitui evidência vigorosa da eficácia da graça, que abrange também a realidade material do corpo” (Angel L. Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria). E aqui temos uma iluminação sobre o sentido do corpo humano na sua dignidade e função como expressão do espírito, meio de comunicação com a realidade e morada da Trindade.
Esse novo estado possibilita uma maior presença e ação em nosso mundo da Virgem, pois exaltada como Rainha do Universo, comunga plenamente da missão do Filho, que em sua presença entre nós nos convida a fazer parte desse reinado cristão. Maria assim o faz de modo eminente e distinto. Todo poder é serviço no amor, nos lembra Cristo, sem triunfalismo terreno. Portanto tal realeza mariana está a serviço do amor sem exclusões. E isto não a coloca num patamar de inacessibilidade nem esquecida de nós. Seu trabalho é forjar essa dinâmica do Reino em nós, estendendo seu amor sobre toda a humanidade, por isso o título de medianeira ao lado do Cristo Mediador. Ativa na Redenção, Deus a coloca ativa na cooperação da transmissão da graça a cada redimido. Mesmo não sendo um dogma de fé, essa realidade pertence à fé comum da Igreja.
E assim nós a contemplamos, no céu, como modelo e modeladora dos filhos de Deus, como foi para com seu Filho. Continua a pedir por nós (Onipotência Suplicante), lutando contra toda espécie de inimigo que atrapalha a consolidação do Reino de Cristo aqui na terra. Os dogmas marianos aclaram a pessoa e a missão de Maria, trazendo assim melhor clareza para a nossa fé, estabelecendo normas e abrindo dimensões fecundas para a espiritualidade e a pastoral da Igreja. Podemos concluir assim essa reflexão em torno de Maria, mesmo ainda tendo muito a dizer. Obrigado por nos acompanhar por essa estrada, onde sozinhos nunca estamos.

E TE CHAMAVAM MARIA – 35



Dando continuidade à nossa reflexão aos dogmas marianos, nos encaminhamos para os dois últimos e mais recentes em sua data de proclamação: Imaculada Conceição e Assunção ao céu. O dogma da Imaculada foi proclamado por Pio IX, em 1854. Este tem como fundamento, primeiramente, dois textos bíblicos, que aparecem na Liturgia da Palavra da missa de 8 de dezembro: Gn 3,9-15.20, que trata da inimizade entre a serpente e a mulher e seus descendentes e Lc 1,26-38, sobre a anunciação do anjo que saúda a Virgem chamando-a de “cheia de graça”. É a plenitude de graça correspondente à sua vocação de Mãe de Deus. É claro que nenhum desses textos afirma explicitamente que Maria tinha sido concebida sem pecado original, mas a reflexão em torno dessa verdade vai ganhando maior força sob o impulso da fé de um povo que reconhece e quer ver iluminado ainda mais o mistério da participação de Maria no mistério salvífico.
Assim temos o resultado de toda uma reflexão que se entende desde os primórdios da Igreja. Desde o século II já se afirmava que Maria esteve intimamente unida a Cristo na luta contra o demônio, como uma nova Eva, a vencedora. O século IV refletia sobre sua santidade e pureza, mesmo com a resistência de alguns em acreditar que Maria teria sido imune do pecado original, já que não foi concebida virginalmente. Essa controvérsia se estende aos séculos XII e XIV. Mas tudo isso acabou servido de base para as reflexões teológicas que nos levariam ao dogma. Como pôde, Maria, responder e manter-se fiel ao projeto divino? Se Deus a chamou para essa sublime vocação, a capacitou para tal, como fez e faz com todos que respondem ao Seu chamado. Por isso, e muito mais, a Igreja afirma que Maria foi preservada imune do pecado original, em atenção aos méritos de Cristo. “O dogma não se refere – como muitas vezes costuma ser interpretado – ao fato de Maria ter concebido sem pecado seu Filho Jesus, ou de ela mesmo ter sido concebida por seus pais sem que cometesse pecado. Tais interpretações, derivadas de uma noção errônea da moral sexual, nada têm a ver com a Imaculada Conceição” (Angel L. Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave Maria).
O dogma da Imaculada afirma que Maria foi preservada do pecado original desde o início da sua existência, numa espécie de pré-redenção. Em nenhum momento de sua vida foi propriedade do demônio, ainda que tenha feito um caminho de fé como os demais seres humanos, sujeita aos altos e baixos que toda pessoa enfrenta no dia-a-dia da vida, não é à toa que também ela tenha perguntas a fazer ao anjo. Ela apenas estava isenta deste vínculo solidário ao gênero que todos carregamos desde Adão e Eva. Não se trata de um pecado pessoal. Entramos na história já com essa marca. O batismo remove essa mancha e restaura a nossa condição de filhos de Deus. Em Maria tudo isso se deu num processo de antecipação do amor do Pai que tinha em vista algo maior. Para ela vem como um dom antecipado, e não por força própria. O que seu Filho traz à humanidade, já está atuando nela desde a sua concepção e em toda a sua vida.
Isto não quer dizer que Maria teria sido tolhida em sua liberdade de pecar. O que se pode afirmar é que por causa da sua missão, Maria recebeu as graças necessárias para a sua perseverança no caminho do bem, e não tivesse tido liberdade de escolha, não poderia ser um modelo para nós. Enquanto ela foi preservada do pecado original, nós somos alvo do constante perdão de Deus. Em tudo opera a graça de Deus. “Essa graça supõe sua fidelidade, mas a deixa livre. Eis aqui, certamente um mistério. Não é outro se não o da relação, estabelecida em cada homem, entre a graça e a liberdade. Recordemos tão somente que uma não põe óbices à outra ao agir sobre ela, mas penetra-a e assume-a. Quanto mais intensa é essa graça, mais goza de liberdade e mais personalidade tem a criatura por ela movida para operar segundo Deus” (M. J. Nicolás – Theotokos. El Misterio de Maria – Barcelona).
“Maria é toda santa. É toda de Deus, protótipo do que somos chamados a ser. ‘É fonte de santidade para a Igreja: também nós, à medida que crescemos na santidade, santificamos a Igreja. Sua missão a une a nós: precisamos de Cristo para a salvação; Maria é quem nos deu Cristo, o Salvador. Em Maria e em nós atua a mesma graça: se Deus pôde realizar nela seu projeto, também poderá realiza-lo em nós, desde que colaboremos com sua graça, como ela o fez. Maria é a criatura humana em seu estado melhor’ (Dom Murilo S. R. Krieger, bispo e escritor mariano) ” Pe. Eugênio Bisonoto – Para conhecer e amar Nossa Senhora – Santuário). Até o último dogma!            

E TE CHAMAVAM MARIA – 34



Virgindade de Maria constitui antigo dogma da Igreja, proclamado depois de sua maternidade divina. No credo que recitamos seja o Apostólico ou Niceno-constatinopolitano, a mãe de Jesus é citada como a “Virgem Maria”. Em 451, o Concílio de Calcedônia declarou que Jesus é “nascido de Maria Virgem”.  Em 553, o Concílio de Constantinopla II declarou: “Encarnou-se da gloriosa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria”. O Concílio de Calcedônia também afirmava tal realidade citando os Padres da Igreja. Finalmente, com a bula “Cum quorumdam hominium”, datada de agosto de 1555, o Papa Paulo IV afirmou a virgindade de Maria.  Assim, a Igreja, apoiada nos testemunhos bíblicos e na Tradição, afirma a virgindade de Maria antes, durante e depois do parto.
A supervalorização da vida sexual em nossa cultura atual tornou mais problemática a compreensão da virgindade das pessoas. “Sacrificam-se à sua majestade, o sexo, todos os valores humanos, privilegiando as relações sexuais antes, dentro e fora do matrimônio. Nesse contexto é quase impossível explicar o sentido da virgindade dos leigos, dos religiosos ou dos sacerdotes. Mas a virgindade em geral, e sobretudo por causa do Reino dos Céus (cf. Mateus 19,2), não é encarada pela Igreja como a negação da beleza da sexualidade nem da fecundidade matrimonial” (Vitor Groppelli – Maria, a Igreja e o povo – Ave-Maria).
Maria foi virgem antes do parto, ou seja, Jesus nasceu de uma concepção operada pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e não como consequência de relações matrimoniais entre José e sua esposa. A concepção de Jesus acontece por pura graça e iniciativa de Deus, envolvendo a resposta humana e a participação de Maria. Mateus e Lucas testemunham claramente a concepção virginal de Jesus (Mt 1,18-25; Lc 1,26-38). Eles veem nisso a realização da profecia de Isaías sobre a concepção virginal do Emanuel (Is 7,14). De acordo com eles, José não engravida Maria (Mt 1,16.18-25; Lc 1,31.34s; 3,24). Jesus é concebido efetivamente por obra do Espírito Santo (Mt 1,20; Lc 1,35). Como virgem que se torna mãe, Maria é a única origem humana de Jesus Cristo (Mt 1,16-25; Lc 1,27.35). Estes testemunhos bíblicos servem de base para que desde os primeiros tempos do cristianismo exista uma fé explícita na concepção virginal do Senhor. Justino, Irineu, Orígenes e outros sustentam essa verdade expressa constantemente nos símbolos da fé.
O fato de que Maria tenha permanecido virgem no parto sob o ponto de vista físico e moral constitui um dado de fé, definido pela Igreja: Maria deu à luz sem perder a integridade corporal (Concílio de Latrão, em 649), sinal externo de algo mais profundo: a sua total consagração ao Senhor, que opera nela maravilhas. Mas os documentos eclesiásticos nunca entraram em minúcias, nem deram explicações biológicas e ginecológicas do fato. A teologia tem procurado explicitar e aprofundar esse aspecto do dogma mariano. Vários teólogos interpretam o fato como especial milagre de Deus, conforme fala Santo Irineu. “Este dogma não deve ser retirado do contexto das demais realidades operadas por Deus em Maria. O Deus que realizou a maior das maravilhas, a encarnação do Verbo eterno no seio de uma mulher, é quem realiza a integridade corporal no parto de Maria” (Angel L. Strada – Maria: Um exemplo de Mulher – Ave Maria).
Ainda seguindo a interpretação bíblica e sua Tradição, a Igreja acredita que Maria permaneceu virgem após o parto. Isso implica afirmar que Maria não teve outros filhos, nem consumou seu casamento com José (daí a afirmação da virgindade do próprio José por alguns autores: um Filho virgem de um casal virgem). Já tratamos dessa questão dos graus de parentescos que levam os primos de Jesus a serem chamados de seus irmãos. Além do mais, antes de morrer, Jesus recomenda sua Mãe aos cuidados de João (Jo 19,26), o que seria inexplicável, se Maria tivesse tido outros filhos, dos quais seria o direito e o dever de cuidar da mãe.
Tais afirmações leva em conta o respeito ao próprio Jesus por sua encarnação, sem a participação humana, mas simples vontade de Deus, de cuja salvação parte do alto. O que não quer desvalorizar a santidade e dignidade do matrimônio ou empobrecer a sexualidade humana. Por outro se quer ressaltar a consagração total de Maria. Ela é virgem de espírito e de corpo. Sua missão a absorve de modo íntimo e pessoal. Sua virgindade é sinal de uma decisão permanente por Deus de modo incondicional. E assim ela se torna modelo para todos que se consagram a Deus, onde se reflete pobreza e disposição total. Até mais!         

E TE CHAMAVAM MARIA – 33



É verdade que a encarnação é uma iniciativa divina, mas isso não quer dizer que nesse processo Maria seja um instrumento passivo. Os textos bíblicos que nos são oferecidos enfatizam a sua entrega pessoal, nesse caminho de livre obediência de quem leva Cristo mais no coração do que no ventre (Sto. Agostinho). Com seu ‘sim’ Maria torna-se o primeiro membro do Corpo de Cristo com uma função específica: ser mãe. Nesse exercício da maternidade ela O acolhe e passa a ser a primeira redimida, iniciando o tempo da salvação. Sim, a histórica salvífica precisou desse ‘sim’ para acontecer. Maria imprimi sua maternidade na história salvífica, que se expressa como dom e tarefa, com todo o desdobramento e desenvolvimento na fé de tal ato. Ela acolhe e atua em plena consciência de quem cresce no movimento claro-escuro do caminhar na fé. Maria tem consciência que Jesus é Filho de Deus, mas teve que viver na esperança da fé que aguarda a Sua manifestação ao mundo quando da Sua missão. O Vaticano II nos lembra na LG 58 que Maria ‘avançou no caminho da fé’.
A comunhão de Maria a Cristo nesse processo salvífico de ser membro e atuar como mãe, lança a sua maternidade para além de uma exclusividade dando-lhe uma dimensão universal que abrange todos os tempos e a totalidade dos seres humanos. A todos aqueles a quem toca a salvação de Cristo, chega a maternidade de Maria, como natural consequência da sua maternidade divina. Maria está associada permanentemente à pessoa e obra do Salvador. Ela é mãe do Cristo total, Cabeça e membros. Não uma maternidade fictícia, mas real e permanente. “A maternidade de Maria, na economia da graça, perdura sem cessar, desde o consentimento que ela prestou fielmente na anunciação e manteve sem vacilar ao pé da cruz, até a consumação final de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao céu, ela não abandonou esta missão salutar, mas, pela sua múltipla intercessão, continua a obter-nos os dons da salvação eterna. Com seu amor de Mãe, cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e angústias, até que sejam conduzidos à Pátria feliz. Por isso, a bem-aventurada Virgem é invocada, na Igreja, com os títulos de Advogada, Auxiliadora, Amparo e Medianeira. Mas isto deve entender-se de modo que nada tire nem acrescente à dignidade e à eficácia de Cristo, Mediador único” LG 62.
Ainda nesse campo da maternidade de Maria, desde os primórdios já se lançava sobre Maria um paralelo de oposição com a primeira mulher: Eva, mãe de todos os viventes. Se em Eva, o pecado e a morte entram na história humana, por Maria entra a vida e a graça. Faz-se um paralelo entre a obediência de Maria, fé e disponibilidade, e a desobediência de Eva, falta de fé e desobediência. Assim, Maria é a Mãe dos novos viventes, dos nascidos da graça de Cristo, restaurando o que Eva havia destruído. É aqui que vamos encontrar em Santo Irineu, interpretando em contraposição entre Maria e Eva, o fato desse nó da desobediência de Eva na história salvífica ter sido desatado por Maria, em sua obediência.
Assim, desde sempre, Deus já havia pensado e desejado essa participação de Maria na história salvífica, para unir-se a Seu Filho nessa obra de redenção, sendo a primeira redimida, não somente como mãe, mas também como sócia (M. J. Nicolás). Se a maternidade significa uma união muito íntima e pessoal, no caso de Maria, esta alcança uma profundidade maior, porque implica uma doação recíproca e total ao próprio Deus. Em sua materna presença na história redentora, tem como mãe a missão de formar Cristo nos crentes, não tendo nenhum interesse privado a não ser conduzir-nos nesse aprendizado que ela mesma fez em ser discípulo e discípula. Assim podemos compreender como esse dogma da maternidade mostra a dignidade única de Maria. Ninguém recebeu nem receberá semelhante dom. Mas tal dignidade não a separa de nós. Ela é a Mãe de Deus e nossa. Se o amor do Pai nos foi manifestado na humanidade do Filho, esse amor aproxima-se também de cada um de nós através dessa Mãe que comunga o mesmo querer de Deus para nós. Que assim seja.
No nosso próximo encontro meditaremos o dogma da Virgindade perpétua. Grande abraço.