E TE CHAMAVAM MARIA... – TEXTO 18



            Estranhamente o período de permanência de Maria, três meses, nos faz pensar que ela deixou Isabel assim que o menino nasceu, segundo o texto bíblico, como se ela tivesse apenas a missão de abençoar a mãe e a criança com a sua presença, longe de todas aquelas alusões que fazemos de possíveis serviços prestados. Bom, mas isso não tem muita importância. Ela retorna a Nazaré para vivenciar esse tempo de espera marcado pelo processo humano da gestação e intimidade entre mãe e filho, que aqui tem uma conotação ainda mais profunda e significativa, pois já não é tanto o filho que se identifica com a mãe, mas a mãe, numa dimensão espiritual, que se identifica com o Filho.
            Não podemos esquecer que ao lado de Maria estava José, seu esposo, segundo o registro civil da época, nos recorda Mateus (1,16). É o mesmo Mateus que nos traz o anúncio a José (cf. Mt 1,18-25) feito por um anjo, mas em sonho, conforme o cânone bíblico dos grandes anúncios bíblicos. Os dois anúncios, a José e a Maria se deu nesse espaço ou tempo preliminar de um casamento em que os dois ainda não conviviam. Podemos imaginar o embaraço ainda maior de José com tal notícia, que poderia rescindir do contrato, e já pensava fazê-lo de modo discreto, mas o anjo encaminhará seu coração enamorado para a compreensão de que não houve traição por parte de sua esposa, mas algo divino nela se dava.
            A falta de detalhes sobre como José tomou conhecimento levantou várias teorias dos interpretes, que aqui não vou abordar, mas o ser ‘justo’ de José não vai na direção da obediência à Lei, mas na reverência e no respeito por Deus e o seu desígnio.  Um poema mariano bizantino assim resume tal situação numa de suas estrofes: “Entrando dentro de uma tempestade de pensamentos/ contrastantes, o sábio já estava perturbado./ Sabendo que não ti tinha tocado,/ amores furtivos suspeitava, ó irrepreensível!/ mas quando te soube mãe por obra do Espírito Santo,/ gritou: ‘Aleluia’” (cintado por Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
            Mateus tem o cuidado de citar o texto de Isaias no anuncio do anjo a José (Is 7,14), talvez para combater os judeus que afirmavam a geração adúltera de Jesus por parte de Maria. Mas o texto deixa um espaço de compreensão não muito clara, pois diz que José não a conheceu (biblicamente o termo está associado à relação sexual) até o momento de dar à luz a Jesus, não considerando o período sucessivo, onde no texto aparecem os irmãos de Jesus. São João Crisóstomo, que viveu esse período de muitas discussões interpretativas nos diz numa de suas homilias sobre Mateus: “A expressão ‘sem que antes’ não deve de modo algum induzir-vos a acreditar que José tenha conhecido depois. Estas palavras indicam-nos que ele não a conheceu antes do nascimento divino. A Escritura costuma usar esta expressão ‘sem que antes’ sem pretender com ela estabelecer um tempo limitado... O evangelista serve-se desta expressão para garantir aquilo que aconteceu antes do nascimento de Jesus, deixando a vós jugar o que aconteceu. [...] Se José tivesse vivido em seguida com Maria como esposa efetiva, tendo assim filhos dela, por que razão é que Cristo no alto da cruz teria confiado a sua mãe ao discípulo, dizendo-lhe para a receber em sua casa, como se ela não tivesse ninguém para cuidar dela?” (cintado por Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
            É nesse quadro que temos toda a discussão da virgindade perpétua de Maria, e para alguns, a própria virgindade de José (São Jerônimo). Para não nos estendermos nessa discussão, precisamos compreender que para Mateus o fundamental era afirmar que Cristo não é fruto de amores humanos na dinâmica criatural, mas da ação direta de Deus, do Seu amor. Defender a Virgindade de Maria não exclui que entre Maria e José não tenha existido aquele vínculo de ternura e de união dos corações.
            Esse dado da Virgindade perpétua de Maria tem mais a ver com sua doação total a Deus do que com qualquer outro aspecto que tentemos defender. Aí ela aparece como modelo de entrega total, de comunhão nessa busca que fazermos de nosso cotidiano uma entrega a Deus de nosso caminho.