E Te chamavam Maria – 22


A visita dos Magos (Mt 2,1-12) trouxe consigo o consequente conhecimento por parte de Herodes do nascimento de Jesus. O rei, em seu temor absurdo, e o medo é um péssimo conselheiro, manda matar os recém-nascidos das redondezas, na esperança de ‘alcançar’ a morte do tal ‘rei-menino’. Avisado em sonho, José se põe em fuga para o Egito com Maria e Menino. Nesse fato, cuja historicidade é questionada ou que talvez não tenha sido tão extenso quanto deixa transparecer a narrativa, encontramos contínua atualidade. “Jesus, Maria e José são simples refugiados, pertencentes à corrente ininterrupta de vítimas do poder que percorrerão terras inóspitas, desertas, cidades estranhas e hostis ao longo de todos os séculos. Sobre a cena cai o sangue dos inocentes e aparece o espectro sanguinário do opressor. Jesus, com sua mãe, é posto, desde sua infância, na fileira dos últimos. É verdade, Mateus cita Oseias 11,1 (‘Do Egito chamei meu filho’), mostrando que Jesus concretiza em plenitude a profecia: não é só filho de Deus em sentido lato como Israel do Êxodo, mas é-o em sentido pleno. E, todavia, é um Deus frágil que monta a sua tenda nos campos dos refugiados, nas ‘favelas’ da miséria. É um Deus que escolhe ser mais pobre do que as suas criaturas porque ‘as aves do céu têm ninhos, as raposas têm suas tocas, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça’ (Mt 8,20). Aquela advertência dirigida ao chefe de família, José, ‘Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge!’, ressoa e ressoou muitas vezes na história para outras famílias e tornou-as mais próximas à de Cristo. Com Ele não estão e não estarão nunca os poderosos, os ricos, os especuladores, os fabricantes de armas, os opressores, todos aqueles para os quais prepotência, vício, exploração são pão de cada dia” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).  Nada mais atual para os nossos tempos.
Entre a fuga e o retorno temos a narrativa da morte dos inocentes que Mateus junta, ao pranto das mães, o de Jerusalém pela morte dos seus filhos. Provavelmente não deve ter passado de um número pequeno de crianças, mesmo algumas tradições dando cifras maiores; eles representam as vítimas de todos os tempos eliminadas de todas as formas possíveis e que desconhecemos. Estão aí representadas as vítimas inocentes de todos os tempos e de todas as guerras que ainda continuamos a ver e ouvir, por culpa dos poderosos desse mundo, por um sistema de saúde ineficiente, pela negligência de muitos...
A narrativa da fuga para o Egito (Mt 2,13-15.23) trouxe consigo uma série de lendas sobre essa desventura da família de Nazaré, muitas encontradas nos evangelhos apócrifos, de uma travessia marcada por uma série de acontecimentos pitorescos que vão desde animais e bandidos até palmeiras que se curvam à passagem de ‘santo cortejo’. Tudo isso não deixa de compor um certo contraste da crua dureza da narrativa de Mateus. A fraternidade na dor de muitos, faz Cristo e Maria mais próximos de nós de um modo real e autêntico. Na nossa devoção mariana não deve faltar essa solidariedade com as dores do mundo e essa voz que se levanta, como a da Virgem no Magnificat, na busca da justiça e no testemunho dessa solidariedade divina para com os deserdados da Terra.

Herodes morre, como todos os outros tiranos, marcado por uma doença incurável e tem sua cota de dor e sofrimento. Assim Deus faz voltar seu Filho do Egito, juntamente com José e Maria e os estabelece em Nazaré, uma aldeia desconhecida do mundo bíblico, mesmo com a citação supostamente bíblica de Mateus. “Começa aqui, para Jesus e sua Mãe, a sequência das horas, dos meses, dos anos monótonos, num ambiente de província, numa existência cotidiana sem revelações e epifanias solenes de Deus. mas, para o plano divino, também Nazaré é importante; aquela Nazaré, donde ‘não se vem nada de bom’ e digno de ser registrado nos anais da História. Daqueles dias e daquelas ações simples, Jesus extrairá, como de um precioso repertório, o material simbólico para descrever o Reino de Deus: trigo e joio, mostarda e lírios, figueiras e videiras, comércio e fraude, peixes, puros e impuros segundo as regras alimentares judaicas, aves e serpentes, pais e filhos, dramas familiares e alegrias... Nazaré torna-se o sinal da presença escondida de Deus nas pequenas coisas, da palavra divina oculta nas roupagens humildes da vida simples” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus). Recomendo o filme “O Jovem Messias”, que retrata essa fase de Jesus, mesmo com elementos apócrifos. Continuamos nosso caminho com Jesus e Maria...