Descemos
com Jesus, Maria e os discípulos para a cidade de Cafarnaum, um dos centros da
pregação de Jesus, o que nos leva a crer que José já havia falecido e por isso
não é mais mencionado como pai de Jesus. A presença de Maria ao longo dessas
andanças do Filho foi bastante discreta, perdida na multidão, mas consciente
que o Filho já estava cuidando das coisas do seu Pai, conforme dissera aos 12
anos (cf. Lc 2,49). Mesmo assim, isso não impedia que vez ou outra sua
existência fosse mencionada, como no caso da mulher anônima que elogia o
Pregador e faz referências à Sua origem: “’Bem-aventurada aquela que te trouxe
no seio e te amamentou! ’ Mas Jesus disse: ‘Bem-aventurados antes os que ouvem
a palavra de Deus e a observam’” (cf. Lc 11,27-28).
A
referência dessa mulher na multidão se refere ao próprio mistério da
maternidade, muito mais exaltado naquele tempo do que nos nossos dias. Mas
Jesus nos faz reconhecer que em Maria uma outra bem-aventurança a coloca num
plano superior, aquele da fé, da escuta obediente, da fidelidade cotidiana por
causa da Palavra: “Maria é bem-aventurada
precisamente também por isto, porque escutou a Palavra de Deus e a pôs em
prática. De fato, conservou mais a verdade na sua mente do que a carne no seu
seio. Cristo é verdade, Cristo é carne; Cristo é verdade na mente de Maria,
Cristo é carne no seio de Maria. Conta mais aquilo que trouxe na mente do que
aquilo que trouxe no seio” (Santo Agostinho, Discursos, XXV,7-8).
Este elogio da mulher que Jesus retoma de
forma mais potencializada, nos recorda também aquele momento em que a Mãe de
Jesus, juntamente com seus irmãos, deseja falar com ele (Cf. Mc 3,31-35; Mt
12,46-50; Lc 8,19-21). É uma dessas palavras que parecem distanciar a Mãe do
Filho, como se a vida desta não foi, desde sempre, fazer a vontade de Deus. E
aqui entendemos que este afastamento só a aproxima ainda mais do Filho, pois
mais uma vez o vínculo carnal é colocado em segundo plano, mas não
desvinculado. Ela se torna um símbolo da verdadeira parentela com Jesus,
calcada numa intimidade de escuta e obediência: “Porventura não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, a qual acreditou
em virtude da fé, concebeu em virtude da fé, e foi eleita como aquela da qual
haveria de nascer a nossa salvação entre os homens, foi criada por Cristo,
antes que Cristo fosse criado nela? Maria Santíssima fez certamente a vontade
do Pai e por isso conta mais para Maria ter sido discípula de Cristo do que ter
sido a mãe de Cristo... E quando Jesus diz ‘irmãos e irmãs’, é claro que quer
falar de uma só e mesma herança. Por isso, Cristo embora sendo único, na sua
misericórdia, não quis ser só, mas fez de modo que fôssemos herdeiros do Pai e
seus co-herdeiros na sua própria herança” (Santo Agostinho, Discursos,
XXV,7-8).
“Aquilo que nessas passagens aparece, à
primeira vista, como rejeição é, na realidade, colocação de Maria em sua
verdadeira posição, sustentadora de sua grandeza e sua dignidade. Maria é
bem-aventurada por sua condição de mãe física de Cristo, mas o é mais ainda por
acolhê-lo com fé e segui-lo com entrega total. Pois escutar a Palavra e
cumpri-la consiste em crer em Cristo e segui-lo. A Palavra de Deus é uma
pessoa: Cristo, o Verbo encarnado. Drama da pregação de Jesus finca suas raízes
na falta de acolhida por parte dos seus ouvintes, os quais, ‘vendo, não veem e,
ouvindo, não ouvem nem entendem’. Rejeitam sua mensagem, não aceitam sua
pessoa” (Angel L. Strada – Maria: um
exemplo de Mulher – Ave Maria).
Depois
de passarmos brevemente estas citações da vida pública de Jesus, eis que chega
a hora de nos encontrarmos com Maria e Jesus ao pé da cruz, numa contemplação
particular de sua fidelidade ao projeto do Pai ao gerar seu Filho até o último
momento. Por fim chega a ‘hora’ anunciada em Caná e Maria não se esquiva desse
momento, pois sabe que ali também se esconde a vontade do Pai. Como discípula
atenta, fez o que indicou aos outros: ‘fazei tudo o que ele vos disser’.
Corramos também com a multidão que contempla esse horrendo espetáculo, mas não
fiquemos a meio-caminho. Vamos com Maria até a Cruz.