Ainda
estamos no ambiente da Anunciação, do diálogo do anjo com Maria. Os anjos são
instrumentos nas mãos de Deus para o anúncio e realização dos seus planos. Os
veremos bastantes atuantes não só em Lucas, também em Mateus nos sonhos de José
e no deserto da tentação como em Marcos. São portas vozes da vontade divina. O
anjo vai ao encontro da Virgem. Ela ouve a voz que a cumprimenta. Aqui aparece
a iniciativa divina tanto quanto o caráter de interioridade do diálogo que aqui
se trava.
Entrando
onde ela se encontra, a saúda: “Ave, cheia de graça!”. Mais que uma
simples saudação, temos um convite à alegria pela presença salvadora de Deus,
alegria de caráter íntimo de quem reconhece ação de Deus. O anjo não a chama
pelo nome, mas dá-lhe um novo nome: “Cheia
de graça”, algo único e excepcional, não só pelo seu estado físico e
espiritual, mas por causa de sua missão única e irrepetível. “Rigorosamente falando, trata-se de um
particípio passivo que tem Deus como objeto subtendido: tu foste cumulada de
graça para poderes acolher o Filho de Deus no teu seio. Surge, assim, em Maria
a iniciativa divina; brilha a graça; manifesta-se o amor de Deus” (Gianfranco
Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia
– Paulus).
Prossegue o
anjo afirmando: “O Senhor é contigo”. Deus a escolheu na gratuidade de Sua
iniciativa amorosa. Quando Deus comunica sua graça, produz um estar-com-Ele e
n’Ele, Ele doa-se a Si mesmo. Nela habita a plenitude da graça que é possível a
um ser humano redimido. Deus lhe será fiel, diz o anjo, auxiliando-a em sua
missão, como o fez no passado ao usar a mesma expressão aos grandes personagens
do seu povo. “O Senhor, porque ama, não
deixará Maria sozinha. Porque quer confiar-lhe uma tarefa, adianta-se,
garantindo-lhe a continuidade de sua ajuda fiel. Porque é Pai, revela seu amor
feito de intimidade pessoal e de confiança na generosidade do filho, tornada
possível por sua permanente assistência” (Angel L. Strada – Maria: um exemplo de mulher – Ave
Maria).
Lucas
menciona a ‘perturbação’ da Virgem diante dessas palavras iniciais, pois não
conseguia compreender exatamente o que o anjo estava lhe falando. Sua atitude é
altamente respeitosa diante do mistério que a ela se apresenta. O anjo
convida-a a não temer, chamando-a pelo nome e a uma atitude filial, que marcará
a partir de Jesus, esse encontro da humanidade com Deus. Por várias vezes esse
convite de não temer virá dos lábios de Jesus, convidando ao exercício da
confiança no amor do Pai. O anjo antecipa-se a lhe revelar o objetivo de sua
visita: sua concepção de um filho que se chamará Jesus, numa clara alusão ao
profeta Isaías (7,14) e revertendo o costume judaico de ser o pai a dar o nome
ao filho. De ‘Emanuel’ (Deus conosco) passa-se a Jesus (Deus salva). Em meio a
sua inquietação ela compreende que será mãe do Messias prometido.
Dentro de
uma lógica que demonstra não ser ingênua ela questiona tal maternidade já que
se conservava Virgem também no corpo. Não no sentido da dúvida ou
incredulidade, como fez Zacarias um pouco antes. Ela quer saber de maneira
concreta como isso se dará sem as vias normais das relações conjugais. Ele lhe
explica que tal evento se dará pela mera ação divina, à sombra do Espírito
Santo. Aqui se faz uma clara alusão à nuvem que simboliza a presença divina: “Lucas vê repropor-se em Maria de modo pleno
e perfeito a tipologia da arca da aliança e da filha de Sião, que delineamos
nas figuras vetero-testamentárias. Tal como a nuvem cobria o povo eleito em
marcha pelo deserto (Nm 10,34; Dt 33,12; Sl 19,4), tal como a nuvem, sinal do
mistério de Deus, dominava sobre a arca da aliança (Ex 40,35), tal como o
Espírito de Deus soprava sobre o caos da criação (Gn 1,2; Sl 104,30), assim
agora a sombra e o Espírito do Altíssimo envolvem e penetram este tabernáculo
da nova aliança que é o seio de Maria. É sugestivo o paralelo entre o relato de
Lucas e o texto já citado do profeta Sofonias” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
“Rejubila, filha de
Sião, o Senhor, rei de Israel, está no meio de ti. Não temas Sião... O Senhor,
teu Deus, está contigo, o Poderoso te salvará” (Sf 3,14-17).
“Salve, ó cheia de
graça, o Senhor está contigo. Não temas Maria... Hás de conceber no teu seio e
dar à luz um filho”
(Lc 1,28.30.31).