Vimos no artigo anterior que o
Anjo esclarece a Maria sobre a missão que é chamada a viver a partir dessa
realidade da maternidade, dom supremo. A tudo isso ela responde declarando-se
‘serva do Senhor’. Mais que um simples ato de humildade, trata-se do
reconhecimento, conforme o Antigo Testamento, de sua função de realizar um
chamado em sua vida, apesar de sua condição de mulher simples e normal, que
fará parte do plano divino da salvação, assim com fez Abraão, Moisés, Josué,
David, os profetas... Jesus tomará para si esse mesmo título de ‘Servo do
Senhor’ com todas as suas consequências, como acompanhamos nos dias de Sua
Paixão e a liturgia nos lança ao coração da imagem do ‘servo sofredor’ de
Isaias. Fazendo eco ao que viverá o Filho, a Mãe se antecipa: “Faça-se em mim
segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Em liberdade, depois de certo silêncio, ela
dá o seu assentimento. E aqui não está em jogo apenas uma busca de santificação
pessoal, mas o início de uma nova etapa da relação entre Deus e o ser humano.
Como sempre, Deus não realiza essa história de salvação sozinho, mas pede a
livre colaboração humana.
Maria
não se fecha em si mesma: “O
consentimento de Maria é um profundo ato de fé. A Virgem ouvinte da Palavra é a
Virgem crente no amor fiel de Deus. Maria sabe que não se entrega à vontade
fria e impessoal de um Deus que lhe dita ordens à distância. Adere às
disposições do Deus que a ama pessoalmente. Tanto é assim que o prometido
‘Deus-conosco’ é agora o ‘Deus-comigo’, aquele que está em seu coração e em seu
seio. A fé de Maria não é, em primeiro lugar, a aceitação de verdade, nem o
acatamento de preceitos morais. É, antes de mais nada, uma atitude de vida. No
reconhecimento pleno de Deus, que atua realmente em sua vida e na obediência à
sua vontade, essa fé expressa em sumo grau a atitude crente da Virgem” (Angel L. Strada – Maria: um exemplo de mulher – Ave Maria).
Assim, no
dizer de Ambrósio, bispo de Milão, Maria corrige o erro de Zacarias, a
incredulidade, ao tempo que revela a sua personalidade. Uma fé sem fissura, sua
modéstia, seu pudor e sua prudência. Não nos é difícil perceber esse ambiente
de silêncio que se instala nesse diálogo do Anjo com Maria. Ela permite que
essa Palavra vá entrando em seu coração, sem precipitar-se com opiniões
pessoais. Senhora de si, ela acolhe em seu interior toda essa revelação. Na sua
liberdade, compromete-se em seguir o plano traçado por Deus para a sua vida. No
que Deus lhe pede ela encontrará a sua realização pessoal e a felicidade
autêntica e plena que o ser humano só encontra no próprio Deus.
É importante
tomar consciência de que essa atitude de entrega de Maria ao plano divino tenha
se dado como decisão radical no momento da Anunciação do anjo. Ela já trazia em
si uma história da ação da graça e da disposição pessoal em se consagrar ao
Senhor. O que ela deseja vem ao seu encontro, e ela se decide, em sua
liberdade, tornar efetiva a sua entrega. Só nesse âmbito podemos compreender a
sua prontidão em responder ao chamado e ao mesmo tempo encontrar a plena
liberdade em sua dependência filial.
Não
podemos esquecer que o anjo ofereceu a Maria um sinal do que Deus é capaz de
realizar: Isabel, sua parenta, acabava de conceber em sua velhice. O que em
Isabel vinha por via ordinária, em Maria se dava de maneira extraordinária. São
caminhos diferentes para um mesmo objetivo: a salvação que Deus quer oferecer a
humanidade. Assim damos um passo mais adiante nessa caminhada que estamos
fazendo com a Virgem, para que a nossa devoção seja um reconhecimento
contemplativo desse instrumento divino para nossa salvação que se fez serva não
de modo passivo, mas como uma verdadeira cooperadora da salvação humana em
livre fé e obediência. Nos encontraremos com Maria e Isabel. Até lá!