A
visita dos Magos (Mt 2,1-12) trouxe consigo o consequente conhecimento por
parte de Herodes do nascimento de Jesus. O rei, em seu temor absurdo, e o medo é
um péssimo conselheiro, manda matar os recém-nascidos das redondezas, na esperança
de ‘alcançar’ a morte do tal ‘rei-menino’. Avisado em sonho, José se põe em
fuga para o Egito com Maria e Menino. Nesse fato, cuja historicidade é
questionada ou que talvez não tenha sido tão extenso quanto deixa transparecer
a narrativa, encontramos contínua atualidade. “Jesus, Maria e José são simples refugiados, pertencentes à corrente
ininterrupta de vítimas do poder que percorrerão terras inóspitas, desertas,
cidades estranhas e hostis ao longo de todos os séculos. Sobre a cena cai o
sangue dos inocentes e aparece o espectro sanguinário do opressor. Jesus, com
sua mãe, é posto, desde sua infância, na fileira dos últimos. É verdade, Mateus
cita Oseias 11,1 (‘Do Egito chamei meu filho’), mostrando que Jesus concretiza
em plenitude a profecia: não é só filho de Deus em sentido lato como Israel do
Êxodo, mas é-o em sentido pleno. E, todavia, é um Deus frágil que monta a sua
tenda nos campos dos refugiados, nas ‘favelas’ da miséria. É um Deus que
escolhe ser mais pobre do que as suas criaturas porque ‘as aves do céu têm
ninhos, as raposas têm suas tocas, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a
cabeça’ (Mt 8,20). Aquela advertência dirigida ao chefe de família, José,
‘Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge!’, ressoa e ressoou muitas vezes na
história para outras famílias e tornou-as mais próximas à de Cristo. Com Ele
não estão e não estarão nunca os poderosos, os ricos, os especuladores, os
fabricantes de armas, os opressores, todos aqueles para os quais prepotência,
vício, exploração são pão de cada dia” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia –
Paulus). Nada mais atual para os nossos
tempos.
Entre
a fuga e o retorno temos a narrativa da morte dos inocentes que Mateus junta,
ao pranto das mães, o de Jerusalém pela morte dos seus filhos. Provavelmente
não deve ter passado de um número pequeno de crianças, mesmo algumas tradições
dando cifras maiores; eles representam as vítimas de todos os tempos eliminadas
de todas as formas possíveis e que desconhecemos. Estão aí representadas as
vítimas inocentes de todos os tempos e de todas as guerras que ainda
continuamos a ver e ouvir, por culpa dos poderosos desse mundo, por um sistema
de saúde ineficiente, pela negligência de muitos...
A
narrativa da fuga para o Egito (Mt 2,13-15.23) trouxe consigo uma série de
lendas sobre essa desventura da família de Nazaré, muitas encontradas nos
evangelhos apócrifos, de uma travessia marcada por uma série de acontecimentos
pitorescos que vão desde animais e bandidos até palmeiras que se curvam à
passagem de ‘santo cortejo’. Tudo isso não deixa de compor um certo contraste
da crua dureza da narrativa de Mateus. A fraternidade na dor de muitos, faz
Cristo e Maria mais próximos de nós de um modo real e autêntico. Na nossa
devoção mariana não deve faltar essa solidariedade com as dores do mundo e essa
voz que se levanta, como a da Virgem no Magnificat, na busca da justiça e no
testemunho dessa solidariedade divina para com os deserdados da Terra.
Herodes
morre, como todos os outros tiranos, marcado por uma doença incurável e tem sua
cota de dor e sofrimento. Assim Deus faz voltar seu Filho do Egito, juntamente
com José e Maria e os estabelece em Nazaré, uma aldeia desconhecida do mundo
bíblico, mesmo com a citação supostamente bíblica de Mateus. “Começa aqui, para
Jesus e sua Mãe, a sequência das horas, dos meses, dos anos monótonos, num
ambiente de província, numa existência cotidiana sem revelações e epifanias
solenes de Deus. mas, para o plano divino, também Nazaré é importante; aquela
Nazaré, donde ‘não se vem nada de bom’ e digno de ser registrado nos anais da
História. Daqueles dias e daquelas ações simples, Jesus extrairá, como de um
precioso repertório, o material simbólico para descrever o Reino de Deus: trigo
e joio, mostarda e lírios, figueiras e videiras, comércio e fraude, peixes,
puros e impuros segundo as regras alimentares judaicas, aves e serpentes, pais
e filhos, dramas familiares e alegrias... Nazaré torna-se o sinal da presença
escondida de Deus nas pequenas coisas, da palavra divina oculta nas roupagens
humildes da vida simples” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus). Recomendo o filme “O Jovem
Messias”, que retrata essa fase de Jesus, mesmo com elementos apócrifos. Continuamos
nosso caminho com Jesus e Maria...