Já tratamos da apresentação do Menino, que
pela lógica deve ter acontecido antes da fuga para o Egito. Voltando para a
Palestina, José e sua família são encaminhados para Nazaré por uma comunicação
divina. É de lá que se origina o próximo episódio que envolve a Mãe, segundo a
narrativa de uma das recordações colhidas por Lucas (2,41-50). Tendo atingido a
idade de 12 anos, ele é levado por seus pais uma segunda vez ao Templo. É aqui
que temos as primeiras palavras de Jesus registradas pelos evangelhos. Pela
tradição judaica Ele já está apto a acompanhar os pais nesse preceito
religioso.
Tendo os pais cumprido o que estava prescrito,
organizaram-se para o retorno à sua cidade, segundo alguns comentaristas, em
duas caravanas diferentes. Um julgava que o Menino Jesus estivesse com o outro.
Quando estas se encontram num dado momento é que se percebe que o Garoto ficou
em Jerusalém. Os pais retornam e o encontram em meio aos doutores da Lei
partilhando os seus conhecimentos. Enquanto estes estão admirados com tamanha
capacidade, seus pais estão em desespero atrás do Filho. A narrativa não faz e
menor menção a como ‘se virou’ Jesus durante esses três dias.
Maria avança em direção ao Filho para
protestar seu ‘desaparecimento’. Ele
responde de forma um tanto seca e na sua resposta deixa entrever claramente a
Sua origem e as Suas disposições ao mencionar o seu Pai. “A vocação de Jesus
não é estar a serviço de uma mãe extraordinária e de uma santa família de
criaturas humanas, mas de estar a disposição do Pai celeste que com Ele tem uma
relação única de paternidade. E isto sem faltar aos seus deveres familiares:
‘voltou para Nazaré e era-lhes submisso’ (v. 51). Perante este primeiro corte
que Jesus faz dos seus afetos humanos, o desconcerto em Maria e José é
evidente: ‘eles ficaram surpreendidos e não compreenderam aquelas palavras’
(vv. 48.50). é a mesma dificuldade que experimentarão os discípulos: ‘Eles não
compreenderam nada do que lhes dizia porque era uma linguagem obscura para eles
e palavras cujo sentido não compreendiam’ (Lc 18,34). Maria, porém, observa
Lucas, ‘conservava todas estas coisas no seu coração’ (v. 51). é através da
meditação na fé e do dom da sabedoria revelada que se pode penetrar no mistério
de Cristo, mistério que ‘ultrapassa todo conhecimento’, cujo comprimento,
largura, altura e profundidade só podem ser revelados por Deus (Ef
3,18-19)” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia –
Paulus). Na sua meditação, Maria
receberá o dom da ‘inteligência’ na fé e da fé, pois guiada pelo Espírito, ela
será introduzida no mistério do Filho. Oxalá tenhamos as mesmas disposições meditativas
em nossa caminhada.
Todos os relatos da infância revelam o que
está por vir. É o Mestre que aqui se revela, aos pés do qual muitos se sentarão
para beber de sua sabedoria e aprender o discipulado (cf. Mt 23,8). Maria começa a compreender que a sua
separação do Filho não é sinal de afastamento, mas de uma nova e diferente
proximidade. Deus tem um plano maior para Ele, e por que não dizer também para
ela? Jesus poderia se arrogar de Sua própria posição de Filho de Deus, mas se
submete numa atitude de obediência aos seus pais, não só colocando-se a serviço
da sua família, mas da inteira humanidade, recusando ser servido.
No retorno a Nazaré, Maria e José podem
refletir que se um filho é capaz de acolher com respeito e amor a submissão que
lhes é devida, os pais têm que saber que o seu filho tem um destino que eles
não podem predeterminar. “Eles podem
sonhar à sua imagem, mas, no fim de contas, têm de o acolher como ele é, com os
seus dotes específicos e com a sua vocação. Saber aceitar é sinal de amor.
Dominar ou considerar o filho (ou a mulher ou o marido) como propriedade
privada é sinal, pelo contrário, de egoísmo e de mesquinhez. ‘é preciso que ele
cresça e eu diminua’: palavras de João Batista que são também as palavras de
Maria e daqueles pais que compreendem a função e os limites da sua missão” (Gianfranco
Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia –
Paulus).
É esse caminho obscuro de silêncio recolhedor
que Maria faz em seu caminhar, descobrindo novas ‘camadas’ daquele Garoto que
lhe foi dado para gerar e cuidar. Em sua caminhada de fé não foi poupada das
surpresas da vida, como qualquer um de nós. Porque a fé é assim, nunca um caminho
pronto, predeterminado, mas sempre por descobrir. Assim caminhou a Virgem,
nesse claro/escuro, mas sem deixar de caminhar. Amém.