Após
o episódio da Cruz, o nome ou a presença da Virgem será mencionado só mais uma
vez de maneira explícita no Atos dos Apóstolos: “Todos, unânimes, eram assíduos
à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com os
irmãos de Jesus” (1,14). Só os escritos apócrifos mencionam um possível
encontro entre a Mãe e o Filho após a ressurreição: “’Não te perturbes, Maria, observa bem o meu rosto e convence-te que
sou Eu, o teu filho! Eu sou o Jesus que consola a tua tristeza, Eu sou o Jesus
cuja morte choraste, Eu sou o Jesus por cujo amor derramaste lágrimas. Mas
agora estou vivo e consolo-te com a minha ressurreição, antes de a todos os
outros. Ninguém levou o meu cadáver, mas ressuscitei por vontade do Pai, ó
minha Mãe!’ Ouvindo estas palavras, o coração da Virgem encheu-se de
consolação, cessou de chorar e de estar perturbada e exclamou: ‘Ressuscitaste,
meu Senhor e meu Filho!... Feliz ressurreição!’ E ajoelhou-se para beijá-l’O”
(Evangelho de Gamaliel (século V-VI).
Compreendemos,
por esta menção que Lucas nos faz da presença de Maria entre os Apóstolos, essa
continuidade que a Virgem assume como seu papel materno. Por sua vez eles a
tomam consigo, nessa experiência que ela mesma fez de conduzir-se pelo Espírito
Santo. Terá razão a ladainha ao chama-la de “Rainha dos Apóstolos”, a discípula
perfeita de Cristo os ajudará nesse caminho de resposta e fidelidade ao Filho.
Recebendo com eles o Espírito Santo, assume também seu apostolado de levar ao
mundo a contínua indicação de fazermos tudo aquilo que Ele nos disser (ou nos
disse ao longo do seu ministério...).
Mas
antes de qualquer ação missionária da Virgem junto aos Apóstolos, está a sua
presença orante. A oração é um elemento de primeira ordem no Evangelho de
Lucas, cujo início se dá no Templo, durante a oração de Zacarias e se conclui
mencionando o mesmo espaço: “Quanto a
eles [os apóstolos], após se terem
prostrado diante dele voltaram para Jerusalém, cheios de alegria, e estavam no
Templo, bendizendo a Deus” (24,52-53). Assim a oração é vista pelo
evangelista como algo necessariamente contínuo para vida da Igreja. Ela traz
consigo o aspecto comunitário na comunhão de sentimentos e intenções. Maria
torna-se um modelo de orante para a Igreja que nasce também sob a sua
inspiração.
O
Cenáculo onde Maria se encontra em oração com os Apóstolos e outras mulheres,
traz uma referência ao Cenáculo onde foi celebrada a última Ceia. Isso tudo
aponta para a realidade da Eucaristia e da proximidade da Virgem desse mesmo
mistério. Mesmo sem uma menção explícita da presença de Maria na instituição, a
tradição cristã não deixou de lançar seu olhar para essa estreita ligação entre
o culto mariano e a Eucaristia.
Como
conclusão dessa cena, transcrevo esse trecho do livro “Maria, um exemplo de
mulher” (Angel L. Strada): “Maria está no
meio da Igreja nascente. Está na qualidade de mãe de Jesus, amando-o nestes homens
concretos que ele havia escolhido. Conhece as fraquezas e os receios desta
primeira comunidade eclesial e ama-a em sua realidade concreta. Foi
precisamente a esses homens medrosos que o Reino foi confiado. A pequenez dos
instrumentos não assusta Maria, porque em seu seio realizou-se para sempre o
desposório do Deus forte com a limitação humana. O que aconteceu na Anunciação
repete-se analogamente na primeira hora da Igreja, que sempre viverá esse
mistério: a santidade e o amor de Deus que se transmitem através da fragilidade
humana. A presença de Maria no Cenáculo constitui solidariedade ativa com a
comunidade de seu Filho. Ela é a que com maior desejo e força implora a vinda
do Espírito. Na realidade, já tinha uma longa história pessoal com ele, porque
sua vida está balizada por intervenções do Espírito Santo. Foi ele quem a
‘cobriu com sua sombra’ e operou nela a encarnação do Filho de Deus. Ele
santificou João Batista no seio de sua mãe e plenificou com sua presença Isabel
mediante a visita e saudação de Maria. O Espírito revelou ao velho Simeão a
identidade de Jesus e sua missão salvadora, da mesma forma que o desígnio
divino sobre Maria. Toda a sua vida se desenvolve na força do Espírito. Segundo
São Paulo, os frutos da ação do Espírito são: amor, alegria, paz, bondade,
fidelidade... Não é esta a descrição exata da vida de Maria, em quem o Espírito
atuou sem nenhum impedimento e sobre quem se derramou generosamente seus dons?
Para os apóstolos, trata-se ainda de um ‘Deus desconhecido’, para Maria já é
uma realidade plenamente operante em sua vida” (pp. 65-66).