Num último olhar sobre os textos sagrados que
fazem referência à Virgem, este nos vem do Livro do Apocalipse (12,1-4). Esse
livro profundamente carregado de imagens simbólicas e enigmáticas (gênero
apocalíptico), traz a luta e a história do novo povo de Deus nesse peregrinar
para o ‘novo céu e a nova terra’ (21,4)
das comunidades da Ásia Menor. Composto por volta do ano 90-100, seu autor nos
convida a esperança sem esquecer o presente, um otimismo que não ignora os sofrimentos.
Orienta-nos para futuro, sem fazer previsões ou narrar detalhes históricos do
que virá. Não pretendo me deter sobre o mesmo, já que não é nosso objetivo
aqui.
O texto que tomamos desse livro faz parte da
nossa liturgia da Palavra para a Solenidade da Assunção de Maria e parte na
Festa de Nossa Senhora Aparecida. Podemos ler o capítulo na íntegra para
situarmo-nos nessa interpretação mariológica que se faz do mesmo. O texto
parece fazer menção ao Cântico dos Cânticos (6,10) quando menciona essa figura
feminina com a lua debaixo dos pés e coroada com uma coroa de doze estrelas.
Aqui se vê Maria que dá à luz ao seu Menino, ao mesmo tempo que se alude à sua
Assunção ao ser levada para um lugar que lhe fora preparado por Deus, lugar
temporário, pois três anos e meio é a metade de sete, que seria o número de
plenitude).
Na realidade, para os estudiosos, sem
descartar a menção a Maria, o autor estava pensando ou no novo Israel do qual
provém Cristo, ou na própria Igreja onde Cristo nasce continuamente através da
Palavra e da Eucaristia. A mulher seria o símbolo do bem e da salvação que nos
vem de Deus. Está em jogo aqui também a menção da parturiente de Is 7,14 ligada
à promessa do Messias. A imagem do dragão traz a imagem do mal que representa
tantos os poderes terrenos quanto o próprio demônio, pois sua ação é um desafio
ao Céu. O conflito é aqui estabelecido entre o Bem e o Mal, pois o varão
nascido da mulher tem as qualidades messiânicas não tanto do nascimento de
Belém, mas da força da Ressurreição da manhã da Páscoa, cujas dores se referem
à Paixão.
Temos a figura de Miguel, adversário declarado
de Satanás, e dessa batalha que desemboca na expulsão dos anjos rebeldes. Uma
voz anônima nos explica a cena mencionando a vitória de Cristo, o Cordeiro, por
seu testemunho e sua paixão. Mesmo tendo anunciado essa vitória, a batalha
prossegue na história entre a descendência da serpente e da mulher, mesmo que a
vitória final já tenha sido declarada ser de Deus e seus eleitos. Não vou me
deter no que se segue. Podemos ver que a figura da mulher do Apocalipse oscila
entre a representação da Igreja, povo de Deus na terra, perseguida por Satanás
e a Mãe do Messias, Maria, contra a qual se enfurece o poder das trevas que
tenta aniquilar o Filho, princípio de salvação e de vitória sobre o mal.
Na figura da mulher vestida de sol com a lua
debaixo dos pés se exalta, de modo inigualável a beleza da Virgem. É dessa
imagem que se inspiram as famosas esculturas e pinturas da Imaculada. Aos pés
da Virgem se acrescentará a serpente do Gênesis, identificada com o dragão do
Apocalipse (mais claramente identificada na imagem de N. Sra. das Graças).
Concluo esta nossa página com as palavras de
um livro litúrgico copta citado por Gianfranco Ravasi (Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus): “’Vi um sinal que apareceu no céu. É uma mulher vestida de sol: debaixo
dos pés estava uma lua, e doze estrelas formavam uma coroa na cabeça. Estava
grávida e gemia com as dores do parto’. Ela é Maria, o novo céu que está sobrea
terra, da qual surgiu para nós o sol da justiça. De fato, o sol que a envolvia
é o nosso Senhor Jesus Cristo; a lua que estava sob os pés é João Batista; as
doze estrelas que formavam uma coroa na cabeça são os doze apóstolos que a
circundam e a veneram. Por isso, todos os povos glorificam a Virgem, porque foi
ela que gerou Deus para nós, enquanto a sua virgindade permaneceu sigilada!”.
Na nossa próxima reflexão faremos a conclusão
geral desse passeio que fizemos pela Bíblia nas figuras que remetem à figura de
Maria e de seu mistério na história salvífica. Grande abraço!