É
verdade que a encarnação é uma iniciativa divina, mas isso não quer dizer que
nesse processo Maria seja um instrumento passivo. Os textos bíblicos que nos
são oferecidos enfatizam a sua entrega pessoal, nesse caminho de livre
obediência de quem leva Cristo mais no coração do que no ventre (Sto.
Agostinho). Com seu ‘sim’ Maria torna-se o primeiro membro do Corpo de Cristo
com uma função específica: ser mãe. Nesse exercício da maternidade ela O acolhe
e passa a ser a primeira redimida, iniciando o tempo da salvação. Sim, a
histórica salvífica precisou desse ‘sim’ para acontecer. Maria imprimi sua
maternidade na história salvífica, que se expressa como dom e tarefa, com todo
o desdobramento e desenvolvimento na fé de tal ato. Ela acolhe e atua em plena
consciência de quem cresce no movimento claro-escuro do caminhar na fé. Maria
tem consciência que Jesus é Filho de Deus, mas teve que viver na esperança da
fé que aguarda a Sua manifestação ao mundo quando da Sua missão. O Vaticano II
nos lembra na LG 58 que Maria ‘avançou no caminho da fé’.
A
comunhão de Maria a Cristo nesse processo salvífico de ser membro e atuar como
mãe, lança a sua maternidade para além de uma exclusividade dando-lhe uma
dimensão universal que abrange todos os tempos e a totalidade dos seres
humanos. A todos aqueles a quem toca a salvação de Cristo, chega a maternidade
de Maria, como natural consequência da sua maternidade divina. Maria está
associada permanentemente à pessoa e obra do Salvador. Ela é mãe do Cristo
total, Cabeça e membros. Não uma maternidade fictícia, mas real e permanente. “A
maternidade de Maria, na economia da graça, perdura sem cessar, desde o
consentimento que ela prestou fielmente na anunciação e manteve sem vacilar ao
pé da cruz, até a consumação final de todos os eleitos. De fato, depois de
elevada ao céu, ela não abandonou esta missão salutar, mas, pela sua múltipla
intercessão, continua a obter-nos os dons da salvação eterna. Com seu amor de
Mãe, cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre
perigos e angústias, até que sejam conduzidos à Pátria feliz. Por isso, a
bem-aventurada Virgem é invocada, na Igreja, com os títulos de Advogada,
Auxiliadora, Amparo e Medianeira. Mas isto deve entender-se de modo que nada
tire nem acrescente à dignidade e à eficácia de Cristo, Mediador único” LG 62.
Ainda
nesse campo da maternidade de Maria, desde os primórdios já se lançava sobre
Maria um paralelo de oposição com a primeira mulher: Eva, mãe de todos os
viventes. Se em Eva, o pecado e a morte entram na história humana, por Maria
entra a vida e a graça. Faz-se um paralelo entre a obediência de Maria, fé e
disponibilidade, e a desobediência de Eva, falta de fé e desobediência. Assim,
Maria é a Mãe dos novos viventes, dos nascidos da graça de Cristo, restaurando
o que Eva havia destruído. É aqui que vamos encontrar em Santo Irineu,
interpretando em contraposição entre Maria e Eva, o fato desse nó da
desobediência de Eva na história salvífica ter sido desatado por Maria, em sua
obediência.
Assim,
desde sempre, Deus já havia pensado e desejado essa participação de Maria na
história salvífica, para unir-se a Seu Filho nessa obra de redenção, sendo a
primeira redimida, não somente como mãe, mas também como sócia (M. J. Nicolás).
Se a maternidade significa uma união muito íntima e pessoal, no caso de Maria,
esta alcança uma profundidade maior, porque implica uma doação recíproca e
total ao próprio Deus. Em sua materna presença na história redentora, tem como
mãe a missão de formar Cristo nos crentes, não tendo nenhum interesse privado a
não ser conduzir-nos nesse aprendizado que ela mesma fez em ser discípulo e
discípula. Assim podemos compreender como esse dogma da maternidade mostra a
dignidade única de Maria. Ninguém recebeu nem receberá semelhante dom. Mas tal
dignidade não a separa de nós. Ela é a Mãe de Deus e nossa. Se o amor do Pai
nos foi manifestado na humanidade do Filho, esse amor aproxima-se também de
cada um de nós através dessa Mãe que comunga o mesmo querer de Deus para nós.
Que assim seja.
No
nosso próximo encontro meditaremos o dogma da Virgindade perpétua. Grande
abraço.