Dando
continuidade à nossa reflexão aos dogmas marianos, nos encaminhamos para os
dois últimos e mais recentes em sua data de proclamação: Imaculada Conceição e
Assunção ao céu. O dogma da Imaculada foi proclamado por Pio IX, em 1854. Este
tem como fundamento, primeiramente, dois textos bíblicos, que aparecem na
Liturgia da Palavra da missa de 8 de dezembro: Gn 3,9-15.20, que trata da
inimizade entre a serpente e a mulher e seus descendentes e Lc 1,26-38, sobre a
anunciação do anjo que saúda a Virgem chamando-a de “cheia de graça”. É a
plenitude de graça correspondente à sua vocação de Mãe de Deus. É claro que
nenhum desses textos afirma explicitamente que Maria tinha sido concebida sem
pecado original, mas a reflexão em torno dessa verdade vai ganhando maior força
sob o impulso da fé de um povo que reconhece e quer ver iluminado ainda mais o
mistério da participação de Maria no mistério salvífico.
Assim
temos o resultado de toda uma reflexão que se entende desde os primórdios da
Igreja. Desde o século II já se afirmava que Maria esteve intimamente unida a
Cristo na luta contra o demônio, como uma nova Eva, a vencedora. O século IV
refletia sobre sua santidade e pureza, mesmo com a resistência de alguns em
acreditar que Maria teria sido imune do pecado original, já que não foi
concebida virginalmente. Essa controvérsia se estende aos séculos XII e XIV.
Mas tudo isso acabou servido de base para as reflexões teológicas que nos
levariam ao dogma. Como pôde, Maria, responder e manter-se fiel ao projeto
divino? Se Deus a chamou para essa sublime vocação, a capacitou para tal, como
fez e faz com todos que respondem ao Seu chamado. Por isso, e muito mais, a
Igreja afirma que Maria foi preservada imune do pecado original, em atenção aos
méritos de Cristo. “O dogma não se refere
– como muitas vezes costuma ser interpretado – ao fato de Maria ter concebido
sem pecado seu Filho Jesus, ou de ela mesmo ter sido concebida por seus pais
sem que cometesse pecado. Tais interpretações, derivadas de uma noção errônea
da moral sexual, nada têm a ver com a Imaculada Conceição” (Angel L. Strada
– Maria: Um Exemplo de Mulher – Ave
Maria).
O
dogma da Imaculada afirma que Maria foi preservada do pecado original desde o
início da sua existência, numa espécie de pré-redenção. Em nenhum momento de
sua vida foi propriedade do demônio, ainda que tenha feito um caminho de fé
como os demais seres humanos, sujeita aos altos e baixos que toda pessoa
enfrenta no dia-a-dia da vida, não é à toa que também ela tenha perguntas a
fazer ao anjo. Ela apenas estava isenta deste vínculo solidário ao gênero que
todos carregamos desde Adão e Eva. Não se trata de um pecado pessoal. Entramos
na história já com essa marca. O batismo remove essa mancha e restaura a nossa
condição de filhos de Deus. Em Maria tudo isso se deu num processo de
antecipação do amor do Pai que tinha em vista algo maior. Para ela vem como um
dom antecipado, e não por força própria. O que seu Filho traz à humanidade, já
está atuando nela desde a sua concepção e em toda a sua vida.
Isto
não quer dizer que Maria teria sido tolhida em sua liberdade de pecar. O que se
pode afirmar é que por causa da sua missão, Maria recebeu as graças necessárias
para a sua perseverança no caminho do bem, e não tivesse tido liberdade de
escolha, não poderia ser um modelo para nós. Enquanto ela foi preservada do
pecado original, nós somos alvo do constante perdão de Deus. Em tudo opera a
graça de Deus. “Essa graça supõe sua fidelidade, mas a deixa livre. Eis aqui,
certamente um mistério. Não é outro se não o da relação, estabelecida em cada
homem, entre a graça e a liberdade. Recordemos tão somente que uma não põe
óbices à outra ao agir sobre ela, mas penetra-a e assume-a. Quanto mais intensa
é essa graça, mais goza de liberdade e mais personalidade tem a criatura por
ela movida para operar segundo Deus” (M. J. Nicolás – Theotokos. El Misterio de Maria – Barcelona).
“Maria
é toda santa. É toda de Deus, protótipo do que somos chamados a ser. ‘É fonte
de santidade para a Igreja: também nós, à medida que crescemos na santidade,
santificamos a Igreja. Sua missão a une a nós: precisamos de Cristo para a
salvação; Maria é quem nos deu Cristo, o Salvador. Em Maria e em nós atua a
mesma graça: se Deus pôde realizar nela seu projeto, também poderá realiza-lo
em nós, desde que colaboremos com sua graça, como ela o fez. Maria é a criatura
humana em seu estado melhor’ (Dom Murilo S. R. Krieger, bispo e escritor
mariano) ” Pe. Eugênio Bisonoto – Para
conhecer e amar Nossa Senhora – Santuário). Até o último dogma!