Concluímos nossa narrativa sobre a infância de
Jesus registrada em Mateus e Lucas. Marcos resume os aspectos da infância de
Jesus numa única passagem que define Jesus “como filho de Maria” (cf. 6,1-3)
quando da visita de Jesus a Nazaré. Em Mateus lemos que retornando do Egito, a
Sagrada Família foi morar neste pequeno povoado (cf. Mt 2,19-23). Foi ali que
ele viveu sua adolescência e juventude, os chamados ‘anos obscuros’, marcados
por uma vida modesta, tendo como pai um carpinteiro. Este fato é confirmado duas
vezes por Lucas quando fala do seu crescimento não só em graça e sabedoria,
também em atitude de obediência a seus pais.
De tudo isso, Maria mantinha em seu coração o
registro, meditando sobre esses fatos em seu coração. E por lá ficou em seu
mistério, instigando a criatividade de alguns na composição de alguns escritos
sobre esses dias ocultos que chamamos de escritos apócrifos.
Mas detendo-nos nos evangelhos, observemos
essa cena narrada por Marcos, quando da visita a Nazaré e da frustrante recepção.
Lucas complementa essa narrativa da Sua visita dizendo-nos que Jesus leu o
livro do Profeta Isaías (cf. 4,16ss) e que seus concidadãos tiveram uma reação
violenta. Aqui não temos nenhuma menção sobre a presença de Maria e sua reação
aos fatos. O que nos interessa é saber que Maria é citada explicitamente como
‘Mae de Jesus’ com uma indicação de sua vida modesta, seus parentes e da
profissão que aprendera com José. Para eles tudo isso é simples demais, para
tamanha sabedoria que demonstra o pregador itinerante.
Enquanto para nós a citação do ‘Filho de
Maria’ é algo solene, para eles talvez soasse como uma pequena ironia para
diminuir-lhe o prestígio. Falam também de seus irmãos e irmãs, que já tentamos
elucidar um pouco atrás, lembrando a tradição oriental que apresenta José como
um viúvo e idoso sob o qual a Virgem ficará sob tutela. Ainda que possam apenas
ser primos pela parentela aproximada, permanece a afirmação sobre a Virgindade
de Maria após o parto.
“É raro
que nas reflexões marianas alguém se debruce sobre o texto que nós
consideramos, precisamente porque a presença de Maria é muito marginal e porque
evoca uma fase silenciosa e oculta da existência do seu Filho, uma existência
embrenhada na província mais remota, fora dos clamores das metrópoles e das
vicissitudes importantes do império. Em casas modestas e calcinadas pelo sol,
em ruelas malcheirosas, entre parentes não muito prestigiados, num cenário
semelhante ao dos quadros de Chagall dedicados à vida das aldeias de hebreus
russos ou da Europa central, a vida de Jesus e de sua Mãe desenrola-se na mais
absoluta e normal quotidianidade, não ritmada por outras variantes que não as
das estações do ano, dos nascimentos e das mortes. É este o ‘escândalo’ da
Encarnação (‘e escandalizavam-se d’Ele’), em que participa também a mãe de
Cristo. Na realidade, sob aquelas roupagens quotidianas oculta-se o mistério da
salvação” (Gianfranco Ravasi – Os
Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
Nestes dias em que celebramos o Natal do
Senhor, contemplamos Sua manifestação aos povos pagãos (Epifania), aos hebreus
(Batismo) e depois aos discípulos (Caná). Vamos continuar o nosso caminho por
alguns outros textos onde a Virgem é mencionada e mergulharmos nesse mistério
particular que nos chama a um constante recolhimento e aprendizado de leitura
da vida, dos fatos, acontecimentos pessoais que vamos tecendo em nosso coração.
Em nosso próximo encontro estaremos em Caná, junto a Maria.
Com o poeta Paul Claudel (1869-1955)
percamo-nos na contemplação da Virgem nas imagens e ícones sagrados:
“Nada tenho para te oferecer, nada a
pedir... Venho apenas, ó Mãe, para contemplar-te... contemplar o teu rosto,
deixar o coração cantar na sua própria linguagem... Porque tu és bela, porque
és imaculada, a mulher da Graça finalmente constituída, a criatura na sua
primeira honra e no seu desabrochamento final, tal como saiu de Deus de manhã
do seu original esplendor. Indizivelmente intacta porque tu és a Mãe de Jesus
Cristo, que é a verdade entre os teus braços, a única esperança e o único
fruto. Porque tu és a mulher, o Éden da antiga ternura esquecida...
simplesmente porque existes, Mãe de Jesus Cristo, que tu sejas por nós
agradecida!”