Dentro de espaço da Visitação que
estamos contemplando, temos o canto que Maria entoa (Magnificat), provocada pele série de elogios
(bênção/bem-aventurança) de sua prima Isabel.
Um canto de louvor e gratidão que expressa o júbilo e a ação do Espírito
Santo e revelam o interior de quem o canta. A primeira fonte de inspiração está
justamente no que Deus fez em sua própria vida. Ela louva o Deus de sua vida,
cujo olhar amoroso repousa sobre sua pequenez. Ele não é um Deus distante, mas
caminha ao seu lado. Ele a faz feliz e ela exulta, pois a sua existência está
cercada desse olhar misericordioso, sob o qual pode ver a sua própria
realidade.
O canto de Maria aparece em íntima
ligação com o cântico de Ana, mãe de Samuel (1Sm 2) em sua matriz bíblica, numa
série de referências, expressão de uma atitude de profunda pobreza na
espiritualidade bíblica, tocando também a sua dimensão social: “O pobre é humilde, doente, oprimido, é a
viúva e o órfão, é o contrário do rico e poderoso, mas é também e sobretudo
aquele que radica a sua confiança unicamente em Deus e não no poder do homem,
no orgulho e na soberba, no ídolo do dinheiro” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
Dentro dessa dimensão Maria eleva a sua voz, pois ela tudo espera e recebe das
mãos de Deus.
Maria profetiza seu testemunho para
as futuras gerações: “Se a humildade é
verdade, aqui temos um testemunho autêntico de humildade e veracidade. Maria
não se autopromove, mas tampouco é vítima de complexos e inibições. Com olhar
objetivo, reconhece os dons recebidos. Ela estará na história dos homens como
sinal visível e perpétuo da ação de Deus em favor de todos. Ao recordá-la,
estarão se lembrando de um Deus que cumpre as suas promessas. Ao venerá-la,
poderão facilmente encontrar-se com o Deus da misericórdia e da salvação. Mas
será também lembrança e veneração de uma criatura, de uma mulher que deu o seu
Sim e cooperou como ninguém na salvação dos seus irmãos. A história posterior
se encarregou de demonstrar que Maria não se enganou, quando profetizou sobre
si mesma” (Angel L. Strada – Maria:
um exemplo de mulher – Ave Maria).
O canto de Maria passa a fazer parte
da oração da Igreja que continuamente exalta o modo como Deus atua na história
da humanidade não através do poder, mas de simples instrumentos, muitas vezes
esquecidos no tempo e na história. Seguindo a esteira do agir de Cristo, que
entra em nossa história em condições de pobreza e de uma mulher pobre.
Recordemos o modo como foi se delineando as pequenas comunidades primitivas. Em
como viveu Paulo e sua constante preocupação pelos mais pobres. Maria nos faz
também lembrar, e nos inspirar, que toda autêntica oração cristã alimenta-se
das Escrituras, onde o próprio Deus se compromete com o pequeno e o humilde, e
nos convida a amparar, a ajudar, a acolher os sofredores.
O Magnificat
carrega também consigo uma forte esperança na ação de Deus, capaz de
inverter os processos injustos da história. Traz em seu coração as esperanças
do seu povo e vê realizada em sua pessoa toda uma promessa anunciada desde
Abraão. Ao mesmo tempo louva e reconhece as grandes ações de Deus na história
salvífica, Sua fidelidade e misericórdia. E podemos dizer que como novo povo de
Deus, apoiados em seu canto, aguardamos também a plenitude do Reino anunciado
por Jesus.
Como havíamos mencionados essa
comparação entre Maria e a Arca da Aliança, Lucas menciona um detalhe
interessante: Maria permaneceu ainda três meses na casa de Isabel, o mesmo
tempo que passou na casa de Obededon (cf. 2Sm 6,11). Isabel é também abençoada
por essa presença santa de Maria, sede da perfeita presença de Deus no meio dos
homens. Concluo com as palavras de Lutero em suas anotações sobre o Magnificat: “Ela quer ser o maior exemplo da graça de Deus para poder incitar-nos a
todos a termos confiança e a louvarmos a graça divina. Todos os corações
deveriam, através dela, adquirir uma tal confiança que pudessem dizer: Deus não
nos desprezará mas olhará benignamente para nós, homens pobres e mesquinhos...
[...] Ó bem-aventurada Virgem, Mãe de Deus, que grande consolação Deus nos
mostrou em ti! Tendo Ele olhado com tanta graça para a tua humildade e
nulidade, recorda-nos assim que Ele não desprezará, mas olhará graciosamente
para nós, homens pobres, que seguimos teu exemplo...”