Passado
o período de adequação de Maria e José à nova realidade a que são chamados, e
vive-se o período restante de gestação onde a Virgem vive essa intimidade de
identificação: “Nestes noves meses, a
Mãe, vivendo uma identificação simbiótica e uma intimidade identificante com
aquele que ia germinando silenciosamente dentro dela..., experimentou algo
único, que jamais se repetirá. Como sabemos, entre a gestante e a criatura de
seu seio, dá-se o fenômeno da simbiose. Significa que duas vidas constituem uma
só vida. A criatura respira através da mãe e daquilo que é da mãe. Alimenta-se
da mãe e pela mãe, através do cordão umbilical. Numa palavra, duas pessoas com
uma vida, ou uma vida em duas pessoas” (I. Larrañaga – O Silêncio de Maria – Paulinas).
É
chegada a hora do nascimento. Lucas nos oferece detalhes desse momento,
colocando no espaço da história, e com toque de criatividade popular, quando do
edito de Cesar Augusto e o consequente recenseamento que os leva a cidade natal
de José, Belém (cf. Lc 2,4-7). A narrativa de Lucas está marcada pela pobreza e
pelo despojamento de Deus ao entrar na nossa história, mesmo não havendo espaço
para Ele. Ele nasce na marginalidade de uma cidade, mas tudo isso é suprido
pelo acolhimento materno que o envolve em panos e deita-o na manjedoura. “Maria dá à luz na pobreza de uma
manjedoura, depois da inútil procura de hospedaria. Eis aqui outro sinal das
dimensões mais profundas do mistério da Encarnação: Cristo, sendo de condição
divina, despojou-se de si mesmo, assumindo a condição de servo e fez-se
semelhante a nós (cf. Mq 5,1-3). Maria o envolve em panos, o ama e cuida dele
com toda ternura maternal. Vive momentos de profunda plenitude humana diante do
mistério de uma vida surgida de suas entranhas e, ao mesmo tempo, momentos de
indescritível união com Deus, a quem adora na fragilidade do Menino. O Messias
nasceu – e é isto que preenche sua mente e invade seu coração” (Angel L.
Strada – Maria: Um Exemplo de Mulher
– Ave Maria).
Seu
nascimento é saudado pelos pastores nómades que por ali estavam. “O recenseamento romano, sinal de
escravatura, recorda-nos que Cristo nasce de um povo oprimido e entre aqueles
pobres que os poderosos consideram peões insignificantes no xadrez de seus
jogos políticos. E, no entanto, o Filho Maria está no centro do tempo e da
própria família humana. Será exatamente este Menino pobre que há de marcar a
história dos séculos com um ‘antes’ e um ‘depois’ d’Ele” (Gianfranco Ravasi
– Os Rostos de Maria na Bíblia –
Paulus). Os pastores, apesar da má fama na sociedade judaica, se tornam os
primeiros anunciadores do nascimento de Jesus para as pessoas circunvizinhas,
dando ao canto dos anjos um ecoar ainda maior.
Outro fato que marca a visão
universalista desta história salvífica é a presença dos magos relatada por
Mateus sobre o reconhecimento do Mesmo pelos povos pagãos. Maria testemunha
essa fé dos pastores e dos magos. Cabe a ela apresentar a criança que acaba de
nascer e conservar todos esses fatos em seu coração, numa meditação contínua
desses eventos quase simultâneos. No próximo artigo retomaremos esse fato da
visita dos magos, antes de falarmos da apresentação do Menino. Concluo com este
hino (monólogo-diálogo da Virgem com o Filho) composto por Romano, o Melode,
que nasceu na Síria por volta de 490 e se converteu ao cristianismo, venerado
como santo nas Igrejas do Oriente:
Diz-me, Filho, como foste semeado em mim
e nasceste!
Vejo-Te, ó minhas entranhas, e
admiro-me.
O meu seio está cheio de leite e não sou
esposa.
Vejo-Te envolvido em panos e descubro
ainda intacto o selo da minha virgindade.
Foste Tu, de fato, que conservastes tal
qual quando dignaste nascer,
Ó novo menino, Deus anterior dos
séculos!
Ó Rei excelso, que há de comum em Ti e
as nossas misérias?
Ó criador do céu, porque desces até nós,
homens da terra?
Deixaste-Te encantar por uma gruta e um
presépio
Te é querido?
(cintado por
Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na
Bíblia – Paulus).