Na narrativa
da visita dos Magos, Maria aparece como aquela que não somente gera, mas de
quem também oferece ao mundo o Filho que gerou. A visita dos Magos se reveste
de caráter um tanto exótico, mas na realidade encontramo-nos diante de um texto
simbólico e carregado de referências teológicas em suas referências bíblicas ao
Antigo Testamento. “Estamos, pois, na
presença, como no resto dos evangelhos da infância de Jesus, de uma síntese
cristológica distribuída pelos fios subtis da história e sistemas de
pensamentos densos e tensos. Um modo errado de ler e meditar esta página é
perder de vista Cristo e Maria e deixar-nos conquistar demasiadamente pelos
Magos. Foi uma tentação antiga: nas catacumbas romanas estas personagens
aparecem nos frescos já no século II, dois séculos antes dos demasiados normais
e modestos pastores. A tradição fez deles reis, afirmou que eram três,
tornou-os racialmente diferenciados (branco, amarelo e preto), atribui-lhes
nomes diferentes segundo as várias culturas (no Ocidente Gaspar, Baltasar,
Melchior), disseminou-se as suas relíquias pelo mundo, nos três presentes viu
sinais particulares (o ouro pela realeza de Cristo, o incenso pela divindade, a
mirra pela sua paixão e morte)” (Gianfranco Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
É em Cristo
que encontramos o coração dessa narrativa que se revela a partir do local de
seu nascimento e a sua origem. Mateus cita Miqueias para ressaltar que Jesus é
o Messias davídico-real, anunciado pelas escrituras. E já se antecipa essa
contraposição entre o bem e mal, tipificado nos Magos e Herodes, na luz e
treva. Sobre Jesus e Maria se projeta o grande duelo da aventura humana: “A Belém, cidade de Davi, opõe-se Jerusalém,
cidade de Herodes; à procura homicida de Herodes contrapõe-se a procura amorosa
dos Magos; ao medo sucede a alegria; à interrogação: ’Onde está o rei dos
Judeus?’, sucede o alegre: ‘Viram o Menino e sua Mãe’; à noite sobrepõe-se a
estrela que ilumina a obscuridade; a estrela aponta mas também desaparece; os
sumos sacerdotes e os escribas conhecem a verdade sobre o Messias, mas não O
sabem reconhecer. Emerge, então, ao lado do acolhimento, a recusa, encarnada em
Herodes, nos sacerdotes e em ‘toda a cidade de Jerusalém’” (Gianfranco
Ravasi – Os Rostos de Maria na Bíblia –
Paulus).
Um outro
elemento que chamou a atenção dos estudiosos foi a estrela que guiou os Magos,
mas deixando de lado uma série de interpretações ou explicações, é o tema da
luz que aqui predomina na narrativa e é particularmente ressaltado no período
do Natal. Lembremos que a data de 25 de dezembro foi escolhida para substituir
a festa pagã do deus Sol, a partir do século VI, lembrados que Cristo é a luz
do alto que nos veio visitar, é dele que nos deixamos iluminar. Maria, tal como
a Igreja, entra nessa dinâmica da luz representada pela lua na tradição
medieval, aquela que não tem luz própria, mas a recebe de um Outro para a
refletir. O simbolismo da luz lida também com a realidade do caminho, da vida
cristã entendida como seguimento e procura, como fez os Magos, e ao mesmo tempo
numa dinâmica de desapego das coisas e da inércia (contraposição aos sacerdotes
de Jerusalém, que mesmo sabendo não se envolvem nem se convertem). Assim eles
representam aqueles que mesmo no silêncio de Deus e no cenário de um céu que
lhe esconde temporariamente o brilho da Estrela, permanece fiel e chega onde se
encontram o Menino e sua Mãe.
Aqui está o
espírito que deveria acompanhar a nossa peregrinação aos santuários dedicados a
Cristo e especialmente à Virgem. Não se busca, certamente, milagres, mas
buscamos nesses lugares santos ver o Menino e sua Mãe e adorar o mistério de
Deus que ali se revela e ao mesmo tempo se esconde. Assim como os Magos, não
podemos perder vista a quem realmente buscamos em nosso peregrinar: “A luz de Cristo refletir-se-á,
progressivamente, sobre nós e nos iluminará, transformando-nos à imagem da sua
glória, introduzindo-nos na imortalidade. A sua estrela nos tornará estrelas cintilantes:
‘Os que tiverem sido sensatos resplandecerão como a luminosidade do firmamento’
(Dn 12,3)” (Gianfranco Ravasi – Os
Rostos de Maria na Bíblia – Paulus).
A narrativa
dos Magos acentua a universalidade da salvação, pois estes não pertencem ao
povo das promessas e mesmo assim recebem o anúncio da Boa Nova. Muitos
sentimentos devem ter invadido o coração da Virgem naquela noite e sua fé será
confirmada no encontro que se dará no Templo com Simeão e Ana. Até lá!